O maior presente que uma cidade brasileira já recebeu custou um bilhão de reais de hoje, formou cem mil empreendedores obcecados e construiu uma das capitais tecnológicas do País. O pedido saiu da cabeça de um professor de tecnologia e das mãos de um político principiante, sonhadores natos, quase nativos na cidade, só o umbigo havia ficado fora da terrinha. Ambos vieram do Rio Grande, estudaram juntos, agregaram outros sonhadores e realizaram o que seus avós italianos chamaram de “la fortuna de tutti”, a sorte de todos. O presente se materializou com uma palavra que ambos detestavam, o “roubo” de um projeto destinado a Londrina, a segunda cidade do Estado. O professor consolou o político dizendo que ambos teriam cem anos de perdão. Os políticos não eram tão odiados na época e, quando perguntam ao político como conseguiu esse milagre, ele responde que deve o presente a outros dois políticos, o Presidente José Sarney, e seu Ministro da Educação, Jorge Bornhausen.
A cidade é Pato Branco, que hoje tem o título de Capital Tecnológica e de Inovação do Estado do Paraná, dado pela Assembleia Legislativa em 2020. O título é merecido. É a 3ª cidade do Estado em número de professores doutores, só atrás das duas maiores cidades, Curitiba e Londrina; é a 3ª em criação de startups, atrás apenas das mesmas duas; e uma importante revista nacional a classificou como a 5ª mais inteligente do País. Com a intensa abertura de empresas de base tecnológica, tornou-se a 5ª cidade do Estado em renda per capita, e seu orçamento municipal anual passou de meros 10 milhões de reais no ano do presente para meio bilhão em 2022.
E tudo começou no dia 4 de setembro de 1987, quando, como deputado federal da cidade, fui despachar com o Presidente José Sarney. Eu havia estado eufórico alguns dias antes, o Presidente havia nomeado o deputado Borges da Silveira como Ministro da Saúde, que era meu colega, conterrâneo e meu padrinho de casamento. Pensava em ajudá-lo e sucedê-lo depois; meu único objetivo na política era organizar o SUS.
Mas meu companheiro de partido, deputado Luís Eduardo Magalhães, espalhou que tudo era a maior injustiça política que já havia visto por que eu era o que mais defendia Sarney na tribuna da Câmara, defendia-o todos os dias como 1º vice-líder, e que eu deveria ser o Ministro. O líder José Lourenço comunicou a desavença ao Presidente José Sarney, que me convidou para um almoço no Palácio da Alvorada. Em um instante de iluminação, recusei o convite.
Mas não fiz o mesmo com o convite para um café logo depois, levado por dois grandes amigos mútuos, meus e de Sarney, os deputados Saulo Queirós e Jaime Santana, e sentamos à mesa da biblioteca do Palácio. Nela também estavam presentes a esposa e a filha de José Sarney, Dona Marly e Roseana Sarney. Lá, o Presidente reconheceu meus esforços para com ele, perguntando como poderia compensar-me, e encarregou sua filha de acompanhar o resgate.
De volta à Câmara, liguei para outro conterrâneo, o educador Ataíde Ferrazza, que dirigia o Programa Nacional de Escolas Técnicas, a “menina dos olhos” do Presidente da República. Havia meses que Ataíde tentava me convencer a pedir ao Presidente que destinasse a Pato Branco, nossa cidade, o grande Centro Federal de Educação Tecnológica planejado para Londrina, a 2ª cidade do Estado. A construção ainda não havia começado porque o Governador Alvaro Dias exigia um também para Maringá, a sua cidade, e não havia recursos para os dois.
Em três dias, Ataíde Ferrazza apresentou-me um projeto monumental, de 150 milhões de Cruzados Novos, 20 mil metros quadrados de construção, dizendo que só a Educação Tecnológica faria de Pato Branco uma grande cidade. A mão de obra qualificada atrairia indústrias de todo o mundo.
José Sarney recusou o projeto, era muito grande para Pato Branco, mandou-me que pedisse outra coisa, e eu agradeci, disse que não pediria, levantei-me, estendi a mão ao Presidente, que a segurou obrigando-me a sentar-me novamente. Leu por muitos minutos o projeto, e com uma caneta tinteiro escreveu em silêncio na sua capa: “Ao Ministro da Educação para atender. Brasília, 4/9/1987, José Sarney”.
“Obrigado, Presidente, o Senhor está me dando um motor Ferrari para o meu pequeno Fusca”, disse-lhe, e voltei eufórico para a Câmara dos Deputados, onde continuei minha trajetória para ser ministro da Saúde, que consegui em 1990, quando organizei o SUS em todo o País, com as leis 8080 e 8142.
A construção do CEFET em Pato Branco começou de imediato e foi concluída em 1993. Em 1997, prefeito recém-eleito, implantei a Educação Integral em todas as escolas e para todos os alunos no 1º dia do ano letivo, continuando a revolução que se iniciara em 4 de setembro de 1987. O resultado está descrito no 2º parágrafo deste artigo, e foi alcançado pela cabeça genial de um grande educador e pelas mãos simples e audazes de um jovem político, que sabe que a Política é detestada por que jovens não sabem o que ela é, como afirmei no recente Fórum Pato Branco, que discutiu o futuro da cidade, em dezembro de 2021. Foi nessa ocasião, 34 anos depois, que recebi o título de Cidadão Honorário de Pato Branco. A justificativa na época do título? O dia 9 de setembro de 1997.