A inflação elevada pelos preços dos combustíveis é a ponta de um enorme iceberg de rejeição a Jair Bolsonaro que não vai derreter até a eleição. Ainda que o governo consiga botar de pé seu pacote de combustíveis, aprovando até uma PEC, são remotas as chances de que isso tenha maior impacto na percepção da população – ou em que grau e velocidade ocorreria. Em resumo, os 33 milhões de brasileiros que estão no mapa da fome, por exemplo, dificilmente vão voltar a comer bem até 2 de outubro.
Esse quadro, desenhado por especialistas em pesquisas, foi apresentado ao Planalto, gerou desespero e levou a cúpula da campanha de reeleição a autorizar as milícias digitais do bolsonarismo a recorrer ao plano B – comandado pelo filho 02 do presidente, Carlos Bolsonaro, vem sendo chamado nos corredores do Palácio de “bomba atômica”.
Nascida na ala mais troglodita do governo, a estratégia é deflagrar uma campanha maciça de fake news contra o ex-presidente Lula, utilizando os caminhos ilegais da deep web e todas as trapaças possíveis para desmoralizar o adversário junto ao maior número de pessoas possível. O tema escolhido para o primeiro ataque é o aborto.
Não por acaso, o assunto começou a circular entre adeptos de Bolsonaro até nas redes lícitas nos últimos dias. Não terá sido ainda coincidência a divulgação da cartilha do Ministério da Saúde afirmando que o aborto é crime em todas as hipóteses e (des)informando que as mulheres que o fazem com base legal – estupro, por exemplo – têm que passar por investigação policial.
Pesquisas recenteinflação, manchetes, como a Genial/Quaest da semana passada, confirmaram os levantamentos governistas quanto ao potencial de estrago do tema: 50% dos eleitores, entre eles 41% de Lula. dizem que o apoio de um candidato ao abordo dificultaria seu voto nele.
Lula não é um defensor do aborto e, se eleito, dificilmente irá trabalhar para mudar a atual legislação. Há poucos meses, porém, enrolou-se numa declaração que, na essência, podia estar correta – disse que era uma questão de saúde pública – , mas que, na prática, vai contra a opinião da maioria conservadora da população. É o que os bolsonaristas vão usar nas redes, editando e tirando de contexto suas palavras, ignorando inclusive o recuo que veio logo depois.
É por aí que o bolsonarismo vai atacar com a força máxima de seu esquema digital. Sabemos que 2018 não é 2022, e hoje os demais candidatos têm recursos na Internet para detectar e reagir a campanhas de difamação. É o que a equipe de Lula deve fazer, além de acionar o TSE – que, desta vez, também parece mais vigilante para flagrar as estratégias ilegais e as fake news. Isso é crime, e se a digital de Bolsonaro for identificada, pode dar cassação de registro.
Apesar de tudo isso, é impossível medir o alcance e o grau de estrago de uma campanha desse tipo. Dificilmente tirará votos de Lula a ponto de derrotá-lo. Mas pode atrapalhar uma vitória que tem tudo para ocorrer no primeiro turno. Quanto antes reagir, mais fácil será conter o estrago.