Um golpe de Estado anunciado? (Reflexões intempestivas)

A legitimidade eleitoral corresponde a uma delicada costura social e política diante de uma cultura tradicional não somente popular, mas distribuída em setores sociais diferenciados nas classes médias, altas, de trabalhadores, e do empresariado.

Não sou daqueles observadores que atribuem a Bolsonaro uma vitória fraudulenta em 2018. A Lava Jato certamente ajudou na derrota de Haddad, na medida em que turbinou o antilulismo (leia-se antipetismo e aliados). Este é ainda maior que a rejeição a Lula.

O antilulismo é antigo, com motivações decorrentes de uma sequência de escândalos envolvendo altos quadros do PT. Nunca esquecer os bilhões resgatados aos cofres públicos pela República de Curitiba, em operações policiais nas quais tesoureiros e cúpula petista e de outros partidos da sua base política foram presos por propinagem sistêmica.

Manifestação de lulistas em Brasília – Foto Orlando Brito

Militantes lulopetistas costumam insistir numa representação equivocada da esquerda, idealizando-a, nas formas romantizadas, ou falsificando-a sob objetivos pragmáticos. Essas posturas vêm se reproduzindo nas últimas duas décadas. No calor desta acirrada campanha elas se misturam, convergindo em racionalizações e retóricas nas quais pressupõe-se que a anulação dos processos envolvendo Lula e alguns dos seus mais altos quadros nacionais, suspende e reescreve de imediato e em definitivo a história da memória política nacional daquele líder, e do seu partido.

Manisfestantes pró e contra Lula fazem protesto na frente do Supremo Tribunal Federal – Foto Orlando Brito

Uma certa “amnésia” voluntária presente no lulopetismo não cola para significativos setores do eleitorado não necessariamente bolsonaristas ou de direita, pois se estende até a setores progressistas críticos. A persistir esse esquecimento seletivo (a corrupção é sempre do outro), a aversão (e preconceitos muitos) contra os movimentos populares tenderá a se fortalecer. Sem dúvida, a consequência mais perversa da esquerda tradicionalista para a desorganização da luta social. E para novas derrotas.

De outra parte, é difícil averiguar o custo da corrupção nos governo populares em termos da diferença de votos – dez milhões, em favor do vencedor. O fato é que Jair Bolsonaro foi eleito e empossado Presidente.

Dilma Rousseff discursa durante sessão do impeachment – Foto Orlando Brito

O questionamento da legitimidade é do jogo político da oposição, como também o é a capitalização bolsonarista em cima da real perda de legitimidade do governo desde o Mensalão (2005) ao impeachment de Dilma Roussef. “Golpe parlamentar” (na expressão da própria ex-presidente) ou não, ali estavam dadas as condições de uma progressiva crise orgânica no bloco no poder, ou de uma fração dominante daquele bloco, posto que as políticas neoliberais o configuram e reconfiguram, em termos gerais, desde FHC.

É fato notório: Bolsonaro representa uma reação das forças ultraconservadoras. Estas não perfazem um bloco monolítico, encontrando-se enraizadas no senso comum. A mediana do senso comum é basicamente conservadora. Nesse sentido a legitimidade eleitoral corresponde à uma delicada costura social e política diante de uma cultura tradicional não somente popular, mas assimetricamente distribuída em setores sociais diferenciados na complexidade das classes médias, altas, de trabalhadores, e do empresariado.

O argumento do parágrafo acima vale para Lula, Bolsonaro ou qualquer dos candidatos em qualquer pleito eleitoral. Há um eixo do razoável no fazer política que deve ser respeitado chamado bom senso. Esse núcleo rígido perpassa ao imediato das ideologias e se agasalha nos costumes de comunidades, rurais ou urbanas. Somente sofrem abalos significativos aptos à mudanças (para posturas mais ortodoxas ou heterodoxas) de acordo com com crises estruturais (econômicas, políticas, culturais). Em outras palavras, o Comum mesmo com sua estrutura imaginária tende a manter a sua ordem, seguindo para tal distintas ofertas no leque dos populismos.

Esse amplo espectro de classes sociais forma um mosaico amplo em termos políticos, cujo denominador comum é hoje, diante de um mundo pleno de inseguranças, a descrença na política conhecida, de teor liberal e de esquerda, alimentada pela desinformação. O ambiente geral é o da desconfiança nas instituições, traídas por toda a classe política.

A desinformação amplia essa tensão.

Deixe seu comentário