A operação Lava Jato é uma longa série com todos os arquétipos dos filmes policiais e que, no desfecho, exibiu uma inversão dos papéis. Antagonizaram-se mocinhos e bandidos, entrelaçados por tramas criminosas, delações fabricadas, ilusionismos investigatórios, pistas mentirosas, ilegalidades pirotécnicas, segredos delinquentes, reviravoltas surpreendentes e a inclusão de personagens mais modernos no roteiro, os hackers, que revelaram as verdadeiras faces dos criminosos. Os falsos heróis da primeira fase (7 anos em cartaz), justiceiros lesa-pátria camuflados nas togas do Judiciário e do Ministério Público, foram eviscerados.
Na segunda e mais curta temporada (3 anos) engrossaram o elenco dos malfeitores mais desprezados das telas nacionais e mundiais, condenados à vergonha e a desonra. A primeira punição – do eleitor – está desenhada. Falta ainda a Justiça, já que a maior transgressão do bando foi o assalto ao Estado Democrático de Direito. Processos não faltam enquanto eles insistem em acenar como astros da honestidade. Se ficarem impunes, o crime compensará.
Nos palcos internacionais Moro acaba de ser condenado como um fora da lei. Sofreu sua mais contundente vaia global. O Comitê de Direitos Humanos da ONU chegou à mesma conclusão do STF em março de 2021: o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial em seu julgamento dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores da Operação Lava Jato. O veredito internacional, de que Lula foi um preso político por 580 dias, é o primeiro contra o falso paladino da Justiça nomeado ministro pelo capitão. O órgão concluiu que os direitos políticos de Lula foram violados após seis anos de análise do processo em Genebra.
A ONU não tem como impor que o Brasil aplique as medidas e penas aos facínoras. O respeito que o chefe da caterva – Bolsonaro – demonstra aos organismos internacionais pode ser verificado na enxurrada de mentiras proferidas na abertura da 76 Assembleia Geral da ONU em setembro de 2021. O indulto a Daniel Silveira mostra que ele tem seus bandidos de estimação, seus intocáveis, aqueles que sabem demais.
O Elliot Ness de fancaria, o intocável Sérgio Moro, passou por uma desconstrução mundial depois de emporcalhar o Judiciário e manipular os fiscais da lei para projetos políticos de ambos e, mais grave, entronizar no poder os mais cruéis pistoleiros do fascismo. Rejeitado pela audiência eleitoral, o ex-juiz foi excluído da matinê presidencial e, agora, anuncia que pode não disputar papel político algum diante dos insucessos sequenciais de bilheteria. O script fascista escrito por ele na Lava Jato não deixará saudades entre os democratas e legalistas. O enredo policial urdido por ele evoluiu para a gênero da tragédia, descambou para o terror e culminou com um genocídio com legendas autoritárias. Uma turnê do pânico, recheada de golpismo, obscurantismo, corrupção, fracassos, fome e desemprego regido por um serial killer na cadeira de diretor geral da Nação.
Moro em um improviso insincero – marca dos atores medíocres – disse que não vive da política. Pura representação. Há anos vive dela e para ela. É o que mostra a filmografia nebulosa e desfocada. Como o empoeirado juiz do velho estilo western, baleou o favorito da eleição presidencial em 2018 e, sem prova alguma, o condenou. Fez justiça com as próprias mãos, mas o tiro saiu pela culatra. Várias de suas sentenças foram reformadas na montagem final conduzida pelo STF, declarando Moro parcial e incompetente. Em troca do disparo fatal em Lula foi premiado com a estatueta da Justiça no salão vermelho sanguinolento do triller macabro de Bolsonaro. Ficou uma curta temporada em exibição na esplanada, fazendo vistas grossas para as delinquências de vários integrantes do elenco Bolsonarista (Onyx Lorenzoni, Flavio e Jair Bolsonaro, entre outros), até ser tirado de cartaz pelos mesmos pervertidos que ajudou a eleger com a toga conspurcada.
Moro sempre ambicionou o estrelato dos protagonistas, mas nunca passou de um figurante desprezível. A pequenez foi revelada nos testes públicos onde ficou evidente a falta de talento, a pouca inteligência e redação indigente. A lenda das telas televisivas, maquiada por figurinistas ocultos, derreteu diante de uma plateia eternamente manipulada por produtores mal-intencionados. O que Moro tramou nos bastidores, quando magistrado, supondo estar inalcançável pelas parabólicas digitais dos hackers, é uma verdadeira película de terror. Fraudes, conluios, tocaias e mentiras. O ex-juiz aparece sugerindo inversão de fases da operação, escalando procuradores para inquirições, ditando notas ao MP para desacreditar a defesa dos réus que julgava, blindando taticamente políticos de sua preferência e indicando fontes para encorpar a acusação contra o ex-presidente Lula, o troféu cobiçado. Al Capone do Judiciário que, como o gangster de Chicago, ainda não foi responsabilizado pelos crimes mais graves, apenas por sonegação.
Em episódios recentes, orientado por algum roteirista suicida, Sérgio Moro deu um tiro no pé ao reconhecer que embolsou um cachê espúrio de US$ 45 mil por mês da consultoria americana Alvarez & Marsal. Renda de R$ 10 mil/dia ou R$ 3,7 milhões em 10 meses. O patrocínio milionário foi anunciado para uma nação de famintos e vítimas da fraude jurídica que ele dirigiu para quebrar empresas, paralisar milhares de obras, desempregar em massa o elenco de trabalhadores e escalar Bolsonaro para a direção golpista do Planalto. A companhia internacional Alvarez & Marsal obteve 78% da sua bilheteria (R$ 65 milhões) a partir de empresas investigadas pela Lava Jato, cujo roteirista faccioso foi Sérgio Moro. A candidatura presidencial, que sempre foi uma ficção, migrou para o gênero do terror e, agora, estrelou nas telas do surrealismo.
O corte mais aterrorizante da meliância jurídica roteirizada por Sérgio Moro e seus assistentes do MP é o esfarelamento generalizado do Brasil: político, institucional, econômico e social. Desde maio de 2020 o distinto público é obrigado a maratonar as bravatas de quarteladas, com envolvimento reprisado das estrelas das Forças Armadas, outra instituição pisoteada publicamente pelo capitão. Além das sucessivas denúncias de corrupção (vacinas, viagra, próteses, picanha, salmão, chicletes etc), nepotismo, privilégios, impunidade e desvios, os comandantes das Forças Armadas costumam reagir com agressividade quando são criticadas pela coadjuvação autoritária ao lado de Bolsonaro. Já expediram várias notas golpistas. Desde a possibilidade de apreensão do celular de uso da presidência em 2020 até as constatações do ministro Luís Roberto Barroso sobre o processo eleitoral, passando por murros em mesa, intimidações a CPI do Senado entre outras. São os valentões fardados poupados na reforma da Previdência, que ganham além do teto salarial, empregam parentes, vacinam-se escondidos e exalam corrupção. As estrelas militares alçadas ao poder têm um brilho esmaecido e envergonham as fardas que vestem. Agora decidiram figurar como atores do processo político-eleitoral. Um papelão.
Outros coadjuvantes, creditados como a “equipe” de Moro no MP, também vão amargando fracassos nas turnês jurídica e política. Deltan Dallagnol foi um fiel escudeiro de capa e espada do lavajatismo morista. Já sofreu condenações pelos abusos de suas funções no MP. Duas no Conselho Nacional do Ministério Público, uma indenização na Justiça comum contra uma de suas vítimas e acabou de ser sentenciado pela unanimidade dos jurados do TCU a pagar, junto com outro canastrão, Rodrigo Janot, a farra das diárias durante a Lava Jato. Depois de desligados do elenco farsesco que tinha uma multidão de fãs, Dallagnol e Janot também buscam papéis políticos e o cenário protetor da imunidade parlamentar. Deltan pode ser cortado na versão final por inelegibilidade. Ambos se apegam ao roteiro de combate a corrupção, mas não têm um bom desempenho encarnando os mocinhos. A partir da metade de 2019, com as exibições da avant-première dos diálogos da Vaza Jato, passaram a ser vistos pela plateia como bandoleiros em busca de palcos do poder.
Alguns atores do elenco de apoio da Lava Jato receberam diárias e passagens para atuar em Curitiba, mas já eram sediados em tablados do MP de outros estados. O “script” financeiro menciona R$ 2,6 milhões em diárias e passagens pagas entre 2014 e 2021, com direito a casa, comida e roupa lavada nos palcos outrora reluzentes de Curitiba. Economicidade e impessoalidade não faziam parte do enredo dessa trupe, que fingia representar a moralidade. Ao contrário, montou-se um programa ‘vip’ de milhagens com dinheiro público. Entraram nas lentes investigativas do TCU os procuradores Antônio Carlos Welter (R$ 506 mil em diárias e R$ 186 mil em passagens), Carlos Fernando dos Santos Lima (R$ 361 mil em diárias e R$ 88 mil em passagens), Diogo Castor de Mattos (R$ 387 mil em diárias), Januário Paludo (R$ 391 mil em diárias e R$ 87 mil em passagens), Orlando Martello Junior (R$ 461 mil em diárias e R$ 90 mil em passagens), Jerusa Viecili (R$ 196 mil em diárias e 64 mil em passagens).
No auge da popularidade da Lava Jato, em 2018, o pistoleiro Billy the Kid curitibano, Deltan Dallagnol, comprou um apartamento de luxo na capital paranaense por R$ 1,8 milhão. Vendeu por R$ 2,7 milhões. No dia 12 de julho de 2021, Fernanda Mourão Dallagnol, esposa do procurador/ator, arrematou uma segunda unidade no mesmo prédio. Pagou R$ 2,2 milhões em um leilão judicial. Dallagnol sustentou que comprou o segundo imóvel com a venda do primeiro. Por muito menos, a Lava Jato mandou inocentes ver o sol nascer quadrado. Mensagens captadas pelo zoom mortal do hacker Walter Delgatti mostraram que Dallagnol tinha a cabeça nas estrelas. Por estar na crista da onda, brilhando no noticiário, queria faturar alto. Em um chat criado em 2018, Deltan e um colega discutiram a constituição de uma empresa laranja na qual eles não figurariam como sócios, mas as mulheres, dele e de Roberson Pozzobon: “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, fabulou o falso moralista Deltan no grupo.
O doleiro Dario Messer assegurou em mensagens trocadas com sua namorada, Myra Athayde, que pagou propinas mensais a um procurador da Lava Jato. Os diálogos de Messer sobre a propina a Januário Paludo ocorreram em agosto de 2018 e foram capturados pela PF. Nas conversas, Messer fala sobre os processos que respondia. Ele diz que uma das testemunhas de acusação contra ele teria uma reunião com Januário Paludo. Depois, afirma à namorada que o procurador faz um papel de agente duplo na série policial: “Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”. A quantia seria de R$ 50 mil/mês entre 2005 e 2013, por suposta proteção. Suspeito de ter recebido propina do próprio Messer, Paludo foi chamado a prestar depoimento por um advogado do doleiro. Aceitou e o inocentou em juízo.
A investigação contra o dublê de procurador foi arquivada pela PGR apesar das evidências. Se não fosse um membro do MPF teria ido para o escurinho do calabouço.
O primeiro falso mocinho demitido pelo CNMP foi o procurador Diogo Castor. Ele pagou outdoors cinematográficos para promover os “intocáveis” de Curitiba, que abusaram das tramas ilícitas para acusar arbitrariamente os alvos previamente selecionados. Outros 11 procuradores do elenco da Lava Jato, alojados nas salas cariocas, estão respondendo a um processo administrativo no Conselho Nacional do Ministério Público. Por 8 votos a 3, os conselheiros entenderam que há elementos para apurar a divulgação de informações sigilosas contra investigados, com o propósito estimular a publicidade opressiva, bandeira que mais tremulou nas salas comandadas por Moro. O relatório do caso, elaborado pelo corregedor-nacional Rinaldo Reis, sugeriu a demissão dos 11 procuradores.
As derrotas seriadas da Lava Jato levaram delatores ao arrependimento. Muitos já ensaiam pedir a anulação de ações penais que colocariam em xeque os acordos celebrados. Reina entre os principais delatores a sensação de que fizeram o papel de palhaço, como os únicos punidos. Uma das estrelas da Lava Jato nem terá tempo de pedir a anulação da delação, já que foi presa novamente por outro crime. Esse é o padrão delinquente dos delatores beneficiados pela direção da Lava Jato. A doleira Nelma Kodama foi detida em Portugal durante uma operação da Polícia Federal contra o tráfico internacional de drogas. Ela é suspeita de atuar como doleira para o narcotráfico. Kodama foi a primeira delatora da Lava Jato. Na época afirmou ter sido pressionada pelos procuradores a incriminar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Kodama era ex-mulher do doleiro Alberto Youssef, um velho amigo de Sérgio Moro desde os tempos do seriado do Banestado.
Sérgio Moro reprisou todos os capítulos fascistas da fracassada operação Mãos Limpas na Itália: deslegitimar a classe política, relativizar a sagrada presunção da inocência, prender para delatar, “vazar como peneira” e abusar da publicidade opressiva para antecipar a culpa e, com ela, obter uma espécie de consentimento social para fuzilar em praça pública os alvos previamente escolhidos. A diferença é que na Itália a operação não nasceu como projeto político. Pela excessiva exposição de seus atores alguns conquistaram mandatos. Aqui, os diálogos da Vaza Jato escancaram as ambições políticas. Outra diferença é que Antônio di Pietro, antes de cair em desgraça, foi eleito (deputado, senador) e até fundou o próprio partido, o IdV. Aqui Moro rasteja à porta de vários estúdios partidários, mas vem sendo ignorado por uns e chutado por outros. Após o juízo da ONU, Moro migra do gênero policial para o sobrenatural. Vira um zumbi. Na Itália, como aqui, todos acabaram flagrados com as mãos muito sujas. São transgressores, feios, sujos e malvados.