O canteiro central da demolição institucional, política e administrativa do bolsonarismo é cercado pelos tapumes malcheirosos da baixíssima cognição, da estupidez e da indigência lexical. Pela imperícia em compreender a complexidade do Brasil, pela inapetência ao trabalho e a incapacidade de se expressar, a maioria dos peões martelam parábolas escatológicas com uma assiduidade infecta.
“Merda”, utilizada como exortação nas coxias teatrais, é um dos vocábulos prediletos nas fossas bolsonaristas. O capitão, além das obsessivas analogias anais, é um chapiscador de agressões e palavrões. Quando não está falando “merda” está obrando uma titica qualquer. “Cocô dia sim, dia não”, ensinou o mestre do desarranjo.
A Globo – imprensa de maneira geral – também é “merda”. Dia desses quase morreu por uma obstrução intestinal. Olavo de Carvalho, guru da cloaca, ameaçou derrubar a “merda de governo” e Romário, justificando o apelido de “baixinho”, falou que o país era uma “merda” antes de Bolsonaro. As palavras e as obras deles são coletadas no mesmo esgoto da deterioração.
O capitão Bolsonaro está rodeado de capatazes incapazes, embora devotos das chulices. Paulo Guedes, outrora estrela do lixão e essência aromática da fedentina, incorporou os coliformes nauseabundos ao vocabulário. Ao defender a natimorta CPMF recendeu os doutrinamentos da latrina: “Você acha que sou um homem de desistir fácil das coisas? De forma alguma. Porque você acha que estamos pensando nessa coisa de merda”. Depois incensou o miasma no debate sobre a reforma tributária: “Temos que desonerar o custo do trabalho. Enquanto as pessoas não vierem com uma solução melhor, eu prefiro esse imposto de merda”, adubou o ministro em evento realizado em outubro de 2020.
Uma flatulência da despersonalização. Ele era o chefe do encanamento econômico e não outras “pessoas”, uma terceirização imprecisa, ilógica. Outrora síndico perfumado do condomínio xexelento, Guedes está em estado de putrefação, recendendo aos cadáveres insepultos. Só ele não ouviu a descarga da suíte econômica e ainda boia por lá.
A casa começou a cair para ele muito antes. A economia demanda planejamento, cálculo estrutural, fundações sólidas, alicerces seguros para evitar rachaduras e, sobretudo, rejeita remendos e improvisos. O mestre de obra Paulo Guedes, que sempre promete entregar a obra na semana que vem, fracassou na empreitada e não entregou obra alguma. Depois de quase 3 anos espanando todos os cômodos da economia, as gambiarras do posto Ipiranga provocaram um curto-circuito fatal, transformando a centelha em uma explosão de alta octanagem.
A inflação voltou ameaçadora e está perto dos 2 dígitos, a fome ressurgiu devastadora, os investidores evaporaram, fábricas fecharam, a dívida pública cresceu, o PIB tem desempenhos pífios, o desemprego atinge mais de 30 milhões de pais e mães de família, a renda do brasileiro evaporou, o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no planeta e o Brasil levou um tombo vertiginoso no ranking das economias mundiais, caindo do telhado para o calabouço. Nenhuma das projeções desenhadas por Guedes saiu da prancheta (déficit zero, trilhões de privatizações, empregos etc.).
O novo reboco fiscal, que ameaça botar a casa abaixo e tem a solidez das construções milicianas no Rio de Janeiro, foi lavrado eufemisticamente como “licença para gastar”. Exatamente como a “licença para matar” do ex-ministro Sérgio Moro, arquiteto responsável pela implosão da política que, agora, cobra o preço na economia. O bacanal fiscal, gastança irresponsável dos recursos públicos, tem frágeis vigas eleitoreiras e desenhos populistas muito toscos. É dar com uma mão e tirar com a outra.
Furar o teto resultará no aumento das contas públicas, maior elevação dos juros, explosão inflacionária, desvalorização do real e no fosso profundo da recessão. No lado externo da obra adensará a perda da credibilidade, a desconfiança e a imprevisibilidade, ralo devastador para qualquer economia do planeta. Rastejando no porão das intenções de votos e amargando rejeições superlativas no topo da edificação, o despreparado capitão quer ascender no elevador da popularidade pelo botão da irresponsabilidade.
Com a implosão liberal, Paulo Guedes vem assistindo deserções em seu barracão. 15 abandonaram a empreitada ao longo dos últimos meses. Joaquim Levy tomou uma denúncia vazia por causa da nomeação do advogado Marcos Barbosa Pinto, que trabalhou em governos do PT. Levy foi levado a síndico do BNDES por indicação de Paulo Guedes. Os dois têm passagem pela Universidade de Chicago, considerada a principal ‘resort’ do pensamento liberal.
O ex-secretário Marcos Cintra acumulou desgastes no governo ao sugerir a tributação de igrejas e a criação de outros impostos, como a recriação do tributo sobre transações financeiras, nos moldes da extinta CPMF. Mansueto Almeida que integrava a equipe econômica desde 2016, na gestão Temer, e seguiu na administração Bolsonaro, também deu baixa na carteira. Ele comandava o Tesouro. Salim Mattar, insatisfeito com o ritmo das vendas de patrimônios do Estado também saiu. Roberto Castelo Branco, também indicado por Guedes para Petrobrás, foi despejado por Bolsonaro em mais uma martelada populista.
Assim que o calote nos precatórios foi cimentado para escorar o aumento do Bolsa Família, marketing indissociável do PT, mais quatro capatazes de Paulo Guedes entregaram o capacete e abandonaram o canteiro da heresia liberal. Foram eles: secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, a secretária especial-adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo.
A debandada fragiliza ainda mais o engenheiro-chefe da economia em ruínas e concreta a frouxidão no alicerce fiscal, que foi severamente criticada por economistas do mesmo aldeamento ideológico de Guedes. Entre eles ex-ministros como Maílson da Nobrega, Henrique Meirelles e Affonso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Guedes disparou pregos contra todos eles. O andar de cima, liderado pelo rooftop do mercado financeiro, também detonou o puxadinho eleitoreiro de Paulo Guedes.
O aterro populista visa a impulsionar o nome do capitão na região Nordeste, condomínio quase privativo do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Fernando Haddad, em 2018, obteve 69,7% dos votos (7 em cada 10 votos) contra 30,3% de Bolsonaro, que tem hábito de se referir aos nordestinos pejorativamente chamando-os de “paraíbas”. Em 2020, após 5 parcelas de auxílio emergencial de R$ 600 a mais de 66 milhões de pessoas – dinheiro na veia – a avaliação positiva do governo oscilou modestamente por lá.
O acréscimo de ótimo e bom em relação aos 30% da eleição rendeu poucos andares. Entre as 5 capitais de maior impopularidade à época, 4 estavam no Nordeste: Salvador, São Luiz, Teresina e Fortaleza. De acordo com as pesquisas mais recentes, Lula mantém a dianteira na região com muita folga. O DataFolha de julho/2021 registrou 64% para Lula e 16% para Bolsonaro no Nordeste.
Além de rabiscar e assinar uma planta eleitoreira incerta e precária, o fura teto Guedes desceu vários andares no andaime do poder e virou vidraceiro do centrão, limpando as janelas e levando pedradas em nome de quem, verdadeiramente, manda na economia. Nos últimos meses o centrão controla o orçamento público, que foi privatizado e embaçado, sem nenhuma transparência. Mais do que conservar os recursos para as emendas parlamentares, os governistas no Parlamento terão um colchão adicional de mais R$ 80 bilhões para torrar nas eleições do ano que vem, 40 vezes o valor do Fundo Eleitoral.
Estima-se um rombo superior a R$ 100 bilhões, sendo que apenas R$ 49 bilhões são destinados ao auxílio. Não é uma simples pedalada, mas uma motociata fiscal poluente que irá estourar no futuro. Quem sempre paga a conta dessas farras é o povo, geralmente os mais pobres. O centrão estará sempre hospedado sob qualquer teto governamental, desde que haja dinheiro a rodo, independente da cor vermelha das paredes ou das fachadas verde e amarelas.
Na atual construção ainda foi edificada uma anomalia para blindar o governo no Congresso contra pedidos de impeachment. Ergueu-se um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões em emendas para aplainar o centrão. Boa parte dessa alvenaria é destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima dos valores de referência fixados pelo governo. O flagrante do “tratoraço”, sem controle, foi fotografado num conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados para indicar como eles preferiam usar os recursos.
Os ofícios, revelados pelo jornal “Estado de São Paulo”, mostram que o esquema muda o eixo das leis orçamentárias. São os ministros que deveriam definir onde aplicar os recursos e não parlamentares. Esse quarto secreto foi desenhado para dificultar o controle do Tribunal de Contas da União e da sociedade. A distribuição dos valores atende a critérios eleitorais. Só ganha quem apoia o governo. Com as portas arrombadas, a peça orçamentária, antes pública, virou privada.
Paulo Guedes não responderá apenas pelos erros crassos nas maquetes rudimentares da economia. Enquanto o Brasil atola na lama ardente do paraíso fecal, o porteiro do prédio da economia entrega as chaves do cofre e da casa ao centrão. Guedes se ocupa em nutrir seus milhões de dólares na cobertura do paraíso fiscal, nas Ilhas Virgens Britânicas. A cada tremor que racha as estruturas do vulnerável casebre brasileiro, o dólar sobe e a caixa registradora de Guedes acrescenta alguns tijolinhos no patrimônio impermeabilizado lá fora.
O telhado de vidro de Guedes está trincado e há muitos cômodos mal iluminados nesse barraco. Por aqui os escombros da economia são visíveis. A fome ressurgiu, o emprego sumiu, o real diluiu e o Brasil desmilinguiu nessa gestão dos obreiros do caos, da desordem, da morte, da mentira, do golpe e da miséria. Quem perde o telhado ganha as estrelas. No caso de Guedes e do centrão a explosão do teto é um lote escriturado no paraíso celestial.