A folha corrida com as transgressões da Lava Jato ofuscou a pirotecnia midiática dos anos em que delinquiram na clandestinidade, corrompendo instituições e fraudando a lei. Inspirada em expedientes fascistas, contrabandeados da operação italiana Mãos Limpas, os antecedentes delituosos envolvendo os principais salteadores da honra alheia assombram pela reincidência, torpeza e dolo. Deltan Dallagnol, vendido como menino prodígio da extinta força-tarefa, hoje não passa de um pivete encorpando o prontuário de tipificações penais contra si.
Um outro pivete já passou pela correição e foi o primeiro a ser demitido pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Diogo Castor pagou outdoors ilegais para promover os bandoleiros de Curitiba, que manejaram a prerrogativa de acusar arbitrariamente.
Outros 11 procuradores da Lava Jato, albergados na falange carioca, estão respondendo a um robusto processo administrativo no Conselho Nacional do Ministério Público. Por 8 votos a 3, os conselheiros entenderam que há elementos para apurar a suposta divulgação de informações sigilosas contra investigados, para alimentar a conhecida publicidade opressiva, carro chefe do “modus operandi” do bando.
O relatório do caso, elaborado pelo corregedor-nacional Rinaldo Reis, sugeriu a pena de demissão dos 11 procuradores. Há crimes muito mais graves na alta cúpula da Lava Jato além dos vazamentos “em peneira”, método recidivo de todos eles. Um dos mais estarrecedores, revelados nos diálogos da operação “Spoofing”, registra uma tocaia em uma delação encomendada para condenar um partido político. Mais um BO para a agitada delegacia do CNMP.
Alcunhado de “Delta”, variante jurídica tão devastadora quanto a Covid-19, o capo da Lava Jato conspirou com o procurador Athayde Ribeiro da Costa para enxertar acusações na delação premiada de Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobrás, no início de 2015. A urdidura, despudorada, era incluir o Partido dos Trabalhadores em uma delação encomendada, com propósitos políticos. Dallagnol escancara a perversidade com o comparsa: “Pensando aqui, tem o custo político de atacar o PP e não PT”.
Dallagnol disparou, então, o comando ilegal para que o cúmplice redigisse partes das novas delações que deveriam ser assinadas por Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, e depois encaminhasse aos advogados dos delatores: “Redige algo que precise do PRC e do Barusco, e entrega pro Carlos pra ele falar com os colaboradores”, contou a reportagem do “Diário do Centro do Mundo”.
Crime continuado, no dia 3 de janeiro de 2015, maquinando sobre “custos políticos”, os fiscais da lei – os intocáveis de outrora – explicitam o total desprezo à ordem jurídica, ao Estado Democrático de Direito, às instituições, aos investigados e ao país. Deltan Dallagnol escarneceu de maneira marginal e debochada: “Abaixo a República kkk”. É compreensível que fascistas, de índole autoritária e monárquica desprezem a forma republicana de governo.
A República, ainda que anômala pela origem militar-golpista no Brasil, atalhou os desvios, a incompetência, os desmandos e poderes ilimitados dos monarcas. Descentralizou o poder, desbancou as elites desonestas que exerciam o poder sem legitimidade e de maneira caótica, incapaz de responder às demandas da sociedade. O ânimo da Lava Jato era centralizar todos os poderes em mãos de justiceiros para implantar uma monarquia da toga.
Deltan Dallagnol, Moro e outros cangaceiros togados da torre de Curitiba reencarnam o cetro imperial ao aplicar suas convicções pessoais acima da lei, exatamente como o absolutista francês Luís XIV, que advogava a prevalência das pessoas sobre as normas legais. O repisado “Estado sou eu”, anacrônico e abjeto. Toda codificação e a condução da Lava Jato foram assentadas sobre éditos monárquicos, inquisitoriais, desrespeitando as leis, a presunção da inocência, o Estado Democrático de Direito e banalizando expedientes autoritários.
Entre eles as prisões para delatar, a publicidade opressiva, o abuso de coercitivas e outros excessos, rotineiros na operação. A Lava Jato foi por anos um Estado paralelo, saqueando ilegitimamente a República e sequestrando o sistema Judiciário através de uma aliança promíscua com setores da mídia.
A lei brasileira que regulamentou e criou a delação premiada no Brasil (Lei 12.850/2013) proíbe expressamente que as autoridades indiquem versões, solicitem inclusões ou interfiram de qualquer modo a iniciativa do próprio delator sobre o que pretende levar a conhecimento dos órgãos de investigação e controle. É ilegal a maquinação de delações por promotores ou procuradores.
É o que estabelece o artigo 4º da lei, que trata das regras que devem ser observadas pelo juiz ao homologar um acordo de delação. As diretrizes são da espontaneidade e voluntariedade. Delações manipuladas, a partir de persecuções políticas, têm vícios de origem e rebaixam o sistema judiciário a uma capitania da desordem e do caos. No caso específico, o juiz julgava o que investigou e o MP, depois de espalhar o medo, redigia a delação que homologaria.
O complô revelado nos diálogos entre Sérgio Moro e sua “equipe do MP” na comarca enlameada da Lava Jato exprime delitos muito graves. Até aqui eles não ensejaram condenações severas contra os malfeitores da cúpula da extinta operação, só contra os rábulas. As decisões do STF quanto ao ex-presidente Lula abriram a avenida para reparos judiciais – penais e civis – e podem desencadear apelações de outros investigados ou condenados. As sentenças do STF – atestando a incompetência e a parcialidade de Sérgio Moro – não utilizaram nem sequer uma vírgula das promiscuidades expressas nas mensagens, mas elas inauguraram a derrocada da Lava Jato a partir de junho de 2019.
Em apenas 2 anos, os próceres da Lava Jato foram castigados pelos expedientes que mais manipularam, os vazamentos como “peneira”, estratagema vulgarizado por Moro para antecipar a culpa de investigados. A publicidade dos diálogos produziu mais de 50 derrotas da Lava Jato nas três esferas do Poder. O arremate veio no Supremo Tribunal Federal na segunda quinzena de abril de 2021. O Plenário chancelou por 8 votos a 3 a incompetência de Sérgio Moro, depois da manobra tabajara do lavajatista Edson Fachin, para evitar a inevitável declaração da parcialidade do ex-juiz. O Pleno do STF também convalidou a decisão da Segunda Turma, do final de março de 2021, onde Moro foi carimbado de faccioso na condenação do ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá. A parcialidade pode se estender às investigações remanescentes, com o mesmo vício.
Antes, no próprio Judiciário, a igrejinha da Lava Jato amargou derrotas emblemáticas após as conversas se tornarem públicas. Caiu a prisão após a condenação em 2 instância e o ministro Alexandre de Moraes pulverizou o acordo pelo qual a Lava Jato administraria R$ 2,5 bi dos recursos recuperados da Petrobrás. A condenação do ex-presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, foi reformada por erro processual e alcançou outras 32 sentenças. A Segunda Turma do STF também excluiu a obscena delação de Antônio Palocci contra o ex-presidente Lula, divulgada às vésperas da eleição presidencial. Em agosto de 2020, Sérgio Moro já havia sido declarado parcial no julgamento do doleiro Paulo Roberto Krug, no escândalo do Banestado. No TSE, a senadora Selma Arruda, a “Moro de saias” foi cassada por 6×1 e o STJ também abriu investigações sobre possíveis ilegalidades da Lava Jato contra ministros da Corte.
No Executivo, Sérgio Moro foi recompensado com a pasta da Justiça depois de sentenciar o candidato favorito em 2018. Moro e sua equipe da Lava Jato foram mastigados e, depois, repelidos pelos infames. No primeiro embate, Moro perdeu o parquinho da bisbilhotice, o COAF. Também começou a escapar o controle da Polícia Federal com mexidas nas superintendências, iniciadas no Rio de Janeiro. O controle da Federal foi o motivo do expurgo definitivo do governo. No estratégico cargo de Procurador-Geral da República, Moro queria um ‘consigliere’ da sua “equipe no MP”.
Nem ao menos foi consultado na escolha de Augusto Aras, pinçado fora da lista tríplice. Em sentido contrário, o CNMP puniu os excessos de Deltan Dallagnol por 2 vezes. Deltan também foi condenado a pagar R$ 40 mil ao senador Renan Calheiros, uma de suas vítimas. A Lava Jato de São Paulo se dissolveu e o chefete Dallagnol saiu de fininho do comando da operação de Curitiba em setembro de 2020.
No Congresso Nacional os dissabores do agrupamento se acumularam. No Senado, Sérgio Moro era interlocutor frequente do grupo autointitulado “Muda Senado”. Através dele, Moro tentou enquadrar o funcionamento do STF em uma PEC e, por 3 vezes, fracassou na tentativa de instalação da CPI da toga para constranger ministros do Supremo. Também não emplacaram 2 nomes ligados a Dallagnol para o CNMP. A Lei de Abuso de Autoridade prosperou, inclusive com a derrubada de 18 vetos presidenciais. Moro e a Lava Jato boicotaram sistematicamente a proposta.
A motivação, hoje se sabe, era o temor sobre o que fizeram de errado. O que Sérgio Moro batizou de “pacote anticrime” foi desidratado na Câmara dos Deputados, onde mantras fascistas foram eliminados, como o excludente de ilicitude, a chamada licença para matar.
As derrotas políticas e jurídicas em série foram contundentes. Os protagonistas das conversas tergiversam, dissimulam, cogitam possíveis adulterações, hackeamentos, alegam deslembrança e não assumem os teores revelados. Todos os demais nomes citados, exceto os procuradores, confirmaram os conteúdos em que foram mencionados. Uma única procuradora, Jerusa Viecelli, reconheceu a autenticidade de um diálogo, atribuído a ela, com escárnios na morte de Marisa Letícia, ex-primeira-dama: “Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula”, escreveu a procuradora em sua conta no Twitter em agosto de 2019. Sentem vergonha apenas aqueles que têm vergonha.
Embora Sérgio Moro e sua patota do MP tenham reiterado não reconhecer a veracidade das mensagens divulgadas, pelos menos três decisões judiciais de 2020 citaram a perícia que atestou a integridade do material que revelou a promiscuidade entre eles os falastrões federais. Os diálogos criminosos foram apreendidos no curso da chamada operação “Spoofing”, que investiga a invasão dos celulares de Moro, de procuradores e de outras autoridades da República. Em uma das decisões jurídicas o ministro Ricardo Lewandowski citou o relatório da Polícia Federal que mostra que os dados apreendidos na “Spoofing” foram devidamente periciados e tiveram sua autenticidade comprovada.
O ex-Juiz Sérgio Moro, que agia como parte interessada e à margem da lei, segue vulnerável pelas ilegalidades já confessadas, além das trocas de mensagens que negaceia. Ele vazou intencionalmente, em nome do “interesse público”, uma gravação duplamente ilegal de uma conversa entre a então presidente Dilma Roussef e Lula, que resultou no veto à posse do ex-presidente no comando da Casa Civil. O áudio foi captado além do horário autorizado e era estranho ao foro de Moro. A conspiração foi determinante para o impedimento de Dilma Rousseff. Moro também grampeou criminosamente advogados e, em férias, atuou para abortar a liberdade do ex-presidente Lula. Foram essas razões jurídicas, além de outras, pelas quais ele foi declarado parcial.
Moro ganhou notoriedade ao incorporar o papel de teórico e pauteiro da Lava Jato. Diálogos publicados no “The Intercept”, mostraram o juiz sugerindo inversão de fases da operação, escalando procuradores, ditando notas ao MP para desacreditar o “showzinho” da defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando fontes para encorpar a acusação. Moro encarnou as figuras de acusador e juiz, corrompendo ambos. Em 2004 Sérgio Moro teorizou tudo por escrito, prolatando uma doutrina de transgressão. O libelo incensando a operação “Mãos Limpas” e o promotor Antônio Di Pietro, tornou-se o vade mecum dos lavajatistas.
Acórdão do memorial fascista: presunção de inocência pode ser relativizada para encarcerar suspeitos indefinidamente, a prisão preventiva pode ser usada par forçar delações e deslegitimar a classe política e a publicidade opressiva serve para constranger investigados. O código personalíssimo do ex-magistrado, recepcionado integral e literalmente pela Lava Jato, foi nefasto para o Brasil. Di Pietro encerrou a vida pública com as mãos emporcalhadas e sua popularidade desabou do céu ao inferno.
As violações de Sérgio Moro e dos fedelhos do Parquet, além de repugnantes, expõem abusos e ilegalidades como denunciação caluniosa, fraude processual, falsidade ideológica, prevaricação e outras. Pela origem ‘hackeada’ das mensagens, é provável que fiquem impunes por alguns desses delitos. Moro pontificava a legalização da prova ilícita, colhida de boa fé. Sorte dele que o Congresso repeliu sua tese fascista. A parcialidade/incompetência são punições desonrosas, mas leves. É preciso responsabilização penal.
Deltan, Moro e o resto da camarilha atuavam como foras da lei, não agentes da lei. É inconcebível que se reapresentem para debates institucionais depois de terem mutilado o sistema e perpetrado uma fraude jurídica de grande dimensão. O rebento da ‘bovaryzação’ promovida pelos pivetes do Parquet na Lava Jato é o bastardo Jair Bolsonaro. Súmula da calhordice, da morte, da fome e da mentira.