Hoje, do alto dos meus noventa e um anos, não tenho mais o direito de ser pessimista. Já vi tantas coisas, já vi tantos problemas, vivi muitos deles e constatei que, quando tudo parecia difícil de superar, o Brasil atravessava todos os obstáculos e continuava crescendo. Eu fiquei surpreso quando soube que o nosso Brasil foi um dos países com maior crescimento per capita do mundo no século 20.
Quando estive com Deng Xiaoping, em 1988, pude ver de perto quem era o sábio chinês. Disse-lhe que o século 20 tinha sido o século dos Estados Unidos, em que eles dominaram o mundo e se transformaram na única e isolada potência mundial, e que o século 21 seria, sem dúvida, o século da China, graças ao genial comando de Deng, que possibilitara a adoção por seu país de dois sistemas, um socialista e outro capitalista, geridos por uma equipe de alta qualificação, formada nas melhores universidades do mundo, não se limitando às do mundo socialista, resumidas então às existentes na União Soviética.
E com a valorização da cultura e da ciência, a partir de um sistema educacional de excelente qualidade, em que o recrutamento era feito pela identificação dos melhores talentos e das inteligências privilegiadas em toda a China.
Não sei se por delicadeza ou visão, ele me respondeu argumentando: “Este será também o século da América do Sul; e quem diz América do Sul, diz Brasil, pela sua dimensão continental.” Explicou que sua afirmação era baseada no fato de que o mundo já tinha tido os anos dourados da Europa, os da América do Norte, os da Ásia, e que dois continentes estavam ao largo desse caminho de progresso: América do Sul e África, tendo a América do Sul o melhor preparo.
Lembrei-me dos problemas que enfrentei — morte de Tancredo, transição democrática, constituinte, inflação, cerco internacional, balança comercial deficitária, dívida externa, moratória, falta de apoio político —, os quais consegui superar, todos eles, com o diálogo, o entendimento e a democracia.
Testemunhei a China seguir o exemplo do Japão e dos Tigres Asiáticos, tornando um paradigma a redução das desigualdades sociais, investindo maciçamente em tecnologia e voltando-se para a exportação — área em que atualmente ultrapassa largamente todos os concorrentes.
Fazendo hoje um retrospecto daquela conversa, apesar do excesso de crises que vivemos e da pandemia que o mundo enfrenta, eu tenho que acreditar que vamos também superar tudo isso, com o Congresso encontrando soluções no diálogo, na democracia, e que o Brasil retomará o crescimento — recuperando o retrocesso dos últimos anos —, vencendo o pessimismo, porque este País sempre foi maior do que qualquer problema.
José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras (Artigo publicado também no jornal O Estado Maranhão)