Velho e querido amigo brasiliense, ao trocarmos ideias sobre o recuo tático do presidente Jair Bolsonaro, formulou-me a pergunta que deve estar na cabeça de milhões de brasileiros: até quando teremos trégua?
Pressionado por erros cometidos nos comícios do dia 7 de Setembro, em Brasília e São Paulo, temeroso do vazio de autoridade diante da Câmara dos Deputados, do Senado e das Forças Armadas, o capitão paraquedista buscou a ajuda do diplomático dr. Michel Temer, em São Paulo. Pediu com humildade que viesse à Brasília para com ele se aconselhar.
Conheço o dr. Michel Temer há mais de 40 anos. Fomos secretários de Estado no Governo Montoro. Na noite de 14 de março de 1985 acompanhamos a internação do presidente Tancredo Neves no Hospital de Base e estivemos presentes às confabulações que conduziram a posse do vice-presidente José Sarney. O experiente político é natural de Tiete e eu sou de Capivari. Ambos filhos de famílias trabalhadoras e modestas. Capivarianos e tieteenses de raiz são calmos, reflexivos, prudentes, avessos a bravatas e fanfarronadas. Pensam antes de falar, não gritam, ao conversarem falam baixo. São inimigos de debates acalorados. É difícil se exaltarem, mas sabem como reagir a provocações. Compromisso apalavrado é sacrossanto. Dispensa documento selado. Vale “o fio do bigode” para garantir o contrato.
O presidente Jair Bolsonaro estava certo ao implorar por auxílio, oferecido mediante documento escrito, com pedido de desculpas ao Ministro Alexandre Moraes e ao Supremo Tribunal Federal. Conforme o relato que ouvi, com a tranquilidade habitual o ex-presidente Temer lhe exigiu a imediata assinatura de proposta de trégua. Ciente de que não havia outra coisa a fazer, o presidente anuiu ao que lhe foi determinado.
Jair Bolsonaro é o avesso do dr. Michel Temer. Conhecido na Academia Militar pela força física e não pela inteligência, recebeu apelido que evito publicar. Apagado durante os mandatos como deputado federal, revelou temperamento volúvel e inconstante nas constantes mudanças de legendas. Em nenhuma, todavia, conseguiu se acomodar. Há mais de ano não tem partido. Abandonou a sigla pela qual se elegeu em 2017 e procura reunir adeptos para fundar nova agremiação. Michel Temer pertenceu a um único partido: o PMDB. Cobiçado por várias legendas, optou pela permanência ao lado dos companheiros na luta pela redemocratização.
A trégua conseguida por S. Exa. será respeitada ou, dentro de algum tempo, Jair Bolsonaro voltará a construir inimigos imaginários? É impossível prever. O caráter belicoso do supremo mandatário pode ser aquilatado pelo insensato combate à vacina. O número de mortos já se aproxima de 600 mil. O presidente, entretanto, permanece alheio e insensível. Entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo (ed. 13/9, pág. A7) o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, revelou-se decepcionado com o ex-amigo de mais de 40 anos e colega da Escola de Educação Física do Exército. A frieza do presidente não lhe permite ser solidário diante da perda de pessoas pelas quais deveria nutrir apreço. Na morte do major Olímpio, senador da República, “ele foi incapaz de dizer uma palavra”, registrou o coronel Alberto Fraga. Conservou-se impassível quando o companheiro perdeu a esposa. Não compareceu ao sepultamento. Se fosse “ia dar problema. Muita gente da família ficou com raiva dele” registrou na entrevista.
Conseguirá alguém com tal perfil psicológico respeitar a trégua alcançada pelo ex-presidente Michel Temer? Diante de alguma contrariedade voltará a atacar o Poder Judiciário, a imprensa e todos que ousem não lhe obedecer? Como disse o ex-deputado, coronel Alberto Fraga “todo mundo sabe que esse general (Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República) só diz não senhor e sim senhor”.
Conforme a lição de Rui Barbosa: “Os chefes de Estado não se perdem pelo trabalho de seus inimigos: perdem-se pelos planos da sua própria ambição, insuflados pela subserviência dos seus cortejadores”. É o retrato do governo Jair Bolsonaro.
— Almir Pazzianotto é Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho