Quando o filho é feio ninguém quer assumir a paternidade. Se na vida real, não é bem assim; na política, com certeza, é. Esse foi o caso do drible na Constituição para assegurar a Dilma Rousseff o direito de exercer funções públicas.
Com malabarismos retóricos, o ministro Ricardo Lewandowski pressionou os senadores a aceitar o fatiamento da votação, sempre ressalvando que não estava fazendo nenhum juízo de valor sobre a constitucionalidade, papel que lhe cabe do outro da rua, no Supremo Tribunal Federal.
Ao jogar a bola para o Senado, com veladas ameaças de que algum ministro do STF, se acionado, poderia adiar o julgamento, Lewandowski conseguiu pegar as batatas quentes com as mãos dos senadores. Mas, e se foi o contrário? Ele ter sido constrangido a desempenhar um papel em nome de enes circunstâncias, nem todas depreciativas.
Nesse outro enredo, a conta da inacreditável prevalência do Regimento do Senado sobre a Constituição do Brasil é atribuída a Renan Calheiros. Quem acompanhou de perto esse esperto tricô conta que o propósito original de Renan foi convencer Dilma Rousseff a renunciar. Ele dispunha de apoios suficientes para convencer o plenário do Senado a dar um tratamento diferente do recebido pelo ex-presidente Fernando Collor.
Se Dilma renunciasse, poderia manter seus direitos políticos. Pelo que me contam, Dilma não topou. Pediu a absolvição plena. Todos dizem que Renan a atendeu e costurou, à revelia de outros aliados, uma solução que lhe fosse menos desfavorável. A versão de Renan é diferente. Disse ele a aliados que até a terça-feira (30) essa questão não estava em sua pauta.
De acordo com Renan, até então prevalecia o entendimento do ministro Ricardo Lewandowski na reunião em que foi decidido o roteiro da votação da impeachment. Ali, ele foi taxativo ao classificar o fatiamento da votação como inconstitucional.
Segundo Renan, Lewandowski o teria procurado e dito que, após reexaminar a questão, mudou de opinião. Passou a entender como correta a votação fatiada. Seus aliados dizem que só falou sobre isso com o líder do PMDB, senador Eunício Oliveira, por volta das 10 da noite da terça-feira.
Por essa narrativa, o responsável pelo aparente atropelo à Constituição é Ricardo Lewandowski. Os tucanos concordam que o presidente do STF participou. Mas atribuem toda a articulação a Renan Calheiros. Foi uma típica manobra de bastidores da política. O mais importante, talvez, sejam as suas consequências, se o próprio Supremo Tribunal Federal não derrubar o arranjo feito no Senado.
A indagação no ar é se ali se construiu um precedente aplicável em outros processos, como o caso de Eduardo de Cunha e de dezenas de governadores, deputados e senadores investigados pela Operação Lava Jato? Por exemplo, além de Cunha, pode beneficiar o próprio Renan Calheiros, apontado como artífice da decisão favorável a Dilma Rousseff?
A dúvida é sobre quem vai pagar para ver? Os tucanos começaram falando grosso, depois baixaram o tom e desistiram de questionamentos à Justiça. Outros partidos governistas também anunciaram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal. A conferir.