O ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu a façanha de criar um imposto de R$ 31,5 bilhões sobre lucro e dividendos na Câmara dos Deputados e, ao mesmo tempo, gerar perdas bilionárias aos cofres com alterações feita no Imposto de Renda da Pessoa Física e Jurídica.
A adoção de um tributo sobre lucros e dividendos das empresas era uma antiga bandeira do PT, PC do B e outros partidos de esquerda que foi incorporado no acordo feito pelo presidente da Câmara , deputado Arthur Lira, ao pacote de mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Física e Jurídica e contribuição sobre lucro líquido das empresas.
O conjunto das mudanças sobre cobrança de alíquotas dos impostos, que seria a primeira etapa da reforma tributária, aprovadas no afogadilho está resultando em uma perda global de arrecadação de R$ 52,2 bilhões nos próximos três anos para União, Estados e Municípios, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senador Federal, mesmo com ingresso de novos recursos dos lucros e dividendos. É uma coisa dramática para os entes federativos endividados e que precisam cada vez de mais recursos para atender a demanda da população por serviços de saúde, sem falar do auxílio financeiro a milhares de desempregados.
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, alertou para o perigo de implementar estas mudanças no sistema tributário. A inexperiência da equipe de Paulo Guedes com a estrutura tributária do Brasil e a esperteza dos grupos de interesse dentro do Congresso Nacional de aliviar a carga de impostos de setores de suas bases eleitorais pode explicar parte das decisões equivocadas e desastrosas. A própria Receita Federal sempre teve poucos funcionários que sabem como funciona a estrutura de impostos e tributos e os efeitos que podem ocorrer com alterações de alíquotas de alguns sobre os demais e o conjunto da arrecadação. Os ajustes, quando devem ser feitos, não é coisa para amador ou feita em torno de interesses políticos no Congresso.
O mais completo estudo sobre reforma tributária que reduza os custos de produção, de comercialização de bens e renda foram feitos por um grupo de notáveis em tributação e economia nos anos de 1990, mas nunca foi implementado. Nem mesmo outras propostas tendo com base este estudo foram aprovadas nos governo de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Tudo indica que o ajuste do IR aprovado na Câmara dos Deputados, como os dados indicam, foi uma decisão voluntariosa e política.
O economista Bernardo Appy, que também vem trabalhando há muitos anos em torno deste assunto, considera equivocada a maior parte das mudanças no IR por beneficiar quem não precisava. Appy diz ser, no entanto, justa a correção da tabela do IR recolhido do trabalhador na fonte, mas achou errado reduzir o tributo sobre os ganhos das empresas com lucro presumido. Diversos outros segmentos empresariais, sem critérios definidos, também vão pagar menos imposto de renda. É o caso de medicamentos usados contra o câncer que terão uma carga maior de impostos enquanto a indústria de avião vai pagar menos. As regras de cobrança do imposto sobre lucros e dividendos acabará penalizando os pequenos acionistas das empresas.
Paulo Guedes construiu um discurso de que esta perda de receita será compensada com o aumento da arrecadação, coisa duvidosa para não dizer impossível. O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, de forma semelhante, deu benefícios fiscais às empresas acreditando que estas iriam investir, estimular o crescimento da economia e gerar mais impostos. Os empresários embolsaram o dinheiro e arrecadação de impostos caiu. Guedes usa o mesmo argumento.
Veja, leitor, o cenário estimado pelo Banco Central para 2022 quando começará a ser implantado o novo ajuste no IR: a economia deve crescer cerca de 2,5% do PIB, as taxas de juros para segurar a inflação estarão por volta de 8% ao ano. Esta política de restrição monetária de baixo crescimento econômico indica que a quantidade de imposto arrecadado não tem como cobrir o buraco das perdas apontada neste ajuste do IR.
Com a palavra, o Senado
Diante dos números e as contas feitas por todos os especialistas, o melhor que Paulo Guedes faz é apelar ao Senado Federal para que barre as mudanças, pois esta casa revisora é sensível aos interesses dos Estados que representam. E mais: diante de uma realidade em que União não consegue mesmo obter superávit fiscal primário para pagar os encargos da dúvida seria oportuno apenas corrigir a tabela de IR na fonte dos trabalhadores e manter o imposto sobre lucros e dividendos, duas bandeiras que terá votos dos partidos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro. O restante deixa como está hoje para evitar prejuízos ainda maiores ao erário.
A União, estados e municípios não poderão abrir mão dos recursos que dispõem hoje para fazer frente as suas obrigações de políticas públicas. A reforma tributária que seria justificável e exequível é aquela que seja construída em comum acordo para que os impostos cobrados hoje sobre gás de cozinha, luz, água, comida sejam reduzidos. Aí, sim, pode sobrar mais dinheiro para o brasileiros consumirem mais e, com isto, gerar um ciclo virtuoso de crescimento econômico com inflação controlada. Hoje, a renda da maioria das pessoas é usada para comprar coisas cada vez mais inflacionadas.
Apenas para lembrar que estes recursos que a Receita Federal deixará de arrecadar terão impacto sobre a atual base monetária e joga contra o esforço do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de controlar a inflação. Será que está faltando coordenação entre a política monetária, de Campos Neto, e a fiscal, de Paulo Guedes, do imprevisível governo de Jair Bolsonaro? O tempo dirá.