O Congresso Nacional parece ignorar as consequências da Emenda Constitucional nº 95/2016, aprovada pelos parlamentares como instrumento central de reequilíbrio fiscal do Governo. O Parlamento estabeleceu que o gasto global da União não poderia ser maior do que o efetivado em 2016. A única correção seria a da inflação do ano anterior pela variação do IPCA.
Este teto de gastos aplicado por um período de dez anos contribuirá para uma redução de despesas primárias entre 4% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para que a União possa pagar suas contas sem elevar a carga tributária do cidadão. À época, no Governo Michel Temer, os formuladores da política econômica do Executivo e do Legislativo chegaram à conclusão de que os gastos vinham tendo um crescimento de 6% ao ano acima da inflação e não seria mais possível financiá-lo com impostos e emissão de títulos públicos. Tinham subido nos últimos 10 anos o equivalente a 14% do PIB para 20% do PIB, em 2016.
Parte das destas despesas foram cobertas com aumento de impostos e endividamento público. Como não haveria mais espaços para aumento da carga tributária, que já era equivalente a 33% do PIB, a solução só poderia ocorrer pela limitação de gastos. Uma elevação adicional de impostos provocaria sérios prejuízos à atividade produtiva. Ao contrário, a percepção de controle de gastos públicos aumentaria a confiança dos investidores. Um maior crescimento na economia resultaria em mais arrecadação de impostos ao Tesouro Nacional.
A emenda constitucional prevê que, a partir de 2027, o Poder Executivo poderá reavaliar a metodologia de correção do “teto de gastos” a cada quatro anos, sempre no primeiro ano de mandato do presidente da República. O regime se encerra ao final do exercício de 2036.
Apesar dos cortes feitos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, tudo indica que o orçamento de 2021 está com despesas acima do limite fixado pelo teto de gastos. O Tribunal de Contas da União (TCU) deverá dar sua palavra final se houve desrespeito à lei. A pressão para furar o teto já estava prevista. Ela ocorre uma vez que as despesas obrigatórias, especialmente as de pessoal e os benefícios fiscais dados as empresas, não estão sujeitas ao controle de gastos e a cada ano vão absorvendo cada vez mais os recursos do orçamento da União. Com isso são cada vez mais escassos os recursos para investimento e custeio. Se nada for feito chegará ao ponto de falta total de dinheiro de custeio. O governo terá dinheiro para pagar o salário do servidor, mas não terá gasolina para fazer seu trabalho de fiscalização.
Nestes últimos quatro anos em que está em vigor a emenda 95/2016, a única reforma aprovada no Congresso foi a previdenciária. O Legislativo nada fez para mudar a legislação de gastos obrigatórios e os benefícios fiscais. A reforma administrativa enviada pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, é tímida. Nada muda na perversa realidade onde 79% dos recursos de pessoal são destinados as 20% dos funcionários públicos mais bem pagos. Eles fazem parte dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Apesar de existir legislação que limita seus vencimentos aos ganhos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), esta norma é burlada o tempo todo em prejuízo dos cofres públicos.
O esforço feito até aqui feito pelos deputados e senadores é tentar fazer com que as demandas por gastos caibam no Orçamento Geral da União sem qualquer preocupação em enfrentar as grandes despesas que tem crescimento vegetativo e verba garantida. A qualidade do gasto público é um assunto esquecido. Ninguém questiona a necessidade efetiva de concessão de incentivos fiscais da ordem de R$ 320 bilhões às empresas e grupo de interesse. O executivo e o legislativo nunca apresentaram uma avaliação seria sobre os recursos, por exemplo, destinado a décadas a Zona Franca de Manaus. Quais são os retorno sociais deste recurso doados pelo contribuinte. Há alguma contrapartida exigida pelas empresas em geração de empregos, cuidados com meio ambiente?
O ministério do Planejamento, que virou secretaria na administração de Paulo Guedes, tinha sua criação justificada para planejar e avaliar a eficiência e eficácia do gasto público. A prioridade dos investimentos ao fim e ao cabo é definida por quem ter mais força política dentro do Parlamento. Neste momento em que milhares de obras do antigo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) estão inacabadas por falta de recursos, deputados e senadores apresentam projetos para novas obras, sem qualquer preocupação com desperdício do dinheiro do cidadão.
A qualidade do gasto público é uma necessidade para contribuir com a atividade produtiva, assim como o ajuste na máquina administrativa pode aliviar a atual carga tributária que recai nas costas dos brasileiros. O governo, por exemplo, precisa destinar mais recursos para ciência, tecnologia e educação a fim de contribuir com a formação de uma mão de obra mais qualificada. Com o tempo isto contribuirá para ganhos de produtividade do setor produtivo, que resultará em um crescimento econômico sustentável.
Já a melhoria da qualidade com a alocação de recursos na máquina pública não deveria ser em prejuízo aos serviços prestados ao cidadão, mas sim na eficiência de gestão. A administração pública deveria adotar metas de desempenho e eficiência para todas os seus órgãos e servidores. Nada disso é novo. Apenas vem sendo deixado de lado, como todas as normas e regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que se tivessem sido observadas o Brasil não teria esta grave crise fiscal.