Crucificar o STF, Augusto Aras, Jair Bolsonaro ou investigados pelo agônico martírio da Lava Jato é um fanatismo acrítico. A morte pré-datada se deu por autoimolação, sacrificada pelos próprios erros, transgressões e vaidades desmedidas em busca do poder. Profanou-se o Estado Democrático de Direito e o processo penal, um dos santuários da democracia. Para tanto quase gabaritaram os pecados capitais: luxúria, avareza, inveja, gula, ira e soberba. O calvário foi inaugurado em 1 de novembro de 2018, quando Sérgio Moro foi batizado no ministério bolsonarista, depois de catequizado pelo “capetão”, como Bolsonaro é mencionado em redes sociais.
A conversão do ex-Juiz Moro ao vencedor soa como promoção premiada e cobiçada. Moro, devoto das diabruras inquisitoriais, manipulou a opinião pública, cooptou o MP para sentenciar sem provas o favorito nas últimas eleições presidenciais, segundo indicavam as pesquisas da época. Lula, 5 anos depois e 580 dias preso, acaba de ser ressuscitado através um sacrilégio tático da própria prelazia lavajatista no STF, evangelizada pelo ministro Edson Fachin. A consagração de Bolsonaro em 2018, desta forma, foi ilegítima. A judicialização da política sempre foi amaldiçoada onde foi pregada. Victor Hugo, outra vítima, em uma carta de 1862 do exílio, afirmava: “combato o padre que vende a mentira e o juiz que distribui injustiça”.
Os êxitos da operação com prisões, repatriações financeiras não redimem os pecados, excessos e a ruína econômica derivada das ações espetaculosas, com quebradeiras na construção civil e um saldo de 4,4 milhões de desempregados. Os salmos mais demoníacos, gravados ou transcritos em milhares de conversas, foram eviscerados pela defesa de Lula. A ofensiva para desmitificar a operação seguirá com os demais investigados. As catacumbas do inferno foram abertas com as senhas fornecidas pelo colégio de cardeais falastrões da Lava Jato. É crendice esperar a resignação cristã dos atingidos diante da falsa sacralidade da liturgia lavajatista.
Não se combate crimes cometendo delitos, especialmente se os pecadores são agentes públicos, flagrados em conspirações sistemáticas e tocaias institucionais incensadas por messianismos políticos. Patíbulo é lugar de carrascos, não de juiz. As emboscadas jurídicas com alvos pré-selecionados são combinadas, louvadas e objetos de escarnecimentos. Procuradores e o ex-juiz integravam uma seita maquiavélica de gente feia, suja e malvada. A comunhão ideológica aproximou os sacerdócios direitistas. Moro é ontologicamente fascista. Bolsonaro o é por ignorância ou pela lavagem cerebral dos quartéis. A eucaristia ‘morista’ entronizou uma besta apocalítica e abriu a temporada dos flagelos brasileiros.
Sérgio Moro vazou um áudio duplamente ilegal: captado além do horário autorizado e estranho ao foro dele. A conspirata foi determinante para o suplício de Dilma Rousseff. Também grampeou criminosamente advogados, suspendeu o sigilo da delação herética de Antônio Palocci às vésperas da eleição e, em férias, atuou para evitar a liberdade de Lula. Confessou parte da missa satânica, mas não viu pecados a expiar, apenas motivações celestiais, disfarce do ânimo pessoal. As orações nos aplicativos, refutadas ou relativizadas, são diabólicas. “Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto”, profetizou o procurador João Carlos Rocha sobre Moro em um dos grupos da tagarelice pecaminosa, cujos missionários chocam pelo despudor e afronta ao Estado de Direito.
A Constituição brasileira é uma catedral democrática e antifascista. Ela fornece todas as preces para esconjurar irmandades autoritárias. No Brasil quem exorcizou os demônios absolutistas, homiziados nas criptas de Curitiba, foram criminosos, os hackers. Depois dos cânticos infiéis de celebração ao STF (“o Fachin é nosso” e “In Fux we trust”), a democracia exige a luz, a claridade, a verdade: in lux we trust. A democracia precisa da luminosidade e do poder regenerador da verdade. Ela reverencia as leis, a equidade, a paridade e rejeita redentores de pés de barro. A indulgência genuflexa do STF por anos só serviu para alimentar a vilania de falsos profetas.
As democracias soçobram quando a verdade é sufocada. A mentira foi a base das tiranias de Franco, Hitler, Mussolini e Stalin. As democracias não convivem com testemunhas secretas, depoimentos não prestados, coação de delatores, manipulações, arbitrariedades e seletividade. Também repudiam consultas ilegais à Receita “engajada”, o “pesque e pague”, acordos internacionais ilegítimos, vazamentos persecutórios, blindagens táticas ou ouvir dizer para fundamentar investigações. “É tetra”, “mijar sangue”, “caneco” “vou ligar para PF para pedir para não cumprir”, “acertar na cabeça de Lula”, “vai ser divertido detonar um pouquinho mais a imagem do 9”, “Plano Lula”, “CPP Russo”. Onde isso é normal, aceitável, civilizado e legal?
Não deixaram saudades os tribunais de exceção, o absolutismo monárquico da prevalência de pessoas sobre as leis, o desrespeito ao juízo natural, power points fajutos, escárnios inumanos e barbáries fundamentalistas. Lula foi caçado como um diabo a ser aniquilado por uma fátua irrecorrível. O ex-presidente foi tocaiado em um conluio com a pena pré-fixada: a morte pelo assassinato da reputação. A assepsia no STF precisa ultrapassar as conveniências políticas, predileções e expiações pessoais. Não se pede a beatificação, mas o julgamento justo e imparcial. É hora de o STF retirar a venda dos olhos da estátua da deusa Têmis, que eclipsou a verdade e impediu a prestação da justiça.
Está em xeque a credibilidade de todo o sistema judiciário brasileiro, a segurança e a ordem jurídica, a sacralidade da defesa, a presunção da inocência, as garantias individuais e coletivas e o Estado Democrático de Direito. É hora de estancar o envenenamento da democracia através da instauração de procedimentos sumários, da construção de sanhas acusatórias, da obsessão por destruir, da sofreguidão por desmoralizar e da avidez para condenar. Tardiamente a Suprema Corte parece despertar da letargia e do sequestro sofrido pela 1 instância. A Justiça que tarda, retarda a democracia e o processo civilizatório.
O STF, até aqui, indicou que o expurgo de Lula da eleição de 2018 foi irregular. Decide-se agora é a marca da infâmia que Sérgio Moro ostentará. Se um juiz “incompetente”, como reza Fachin ou faccioso, como apregoam Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. A chicana de Fachin para blindar Moro e abortar o exame da parcialidade, foi um tiro de funda no pé, juvenil. O julgamento, independente do resultado ou data do desfecho, desencadeou uma profunda inflexão política com desdobramentos em todo o mundo. Moro, em suas vertigens autoritárias e delírios de poder, jamais imaginou que ingressaria no STF pela porta dos fundos, de maneira tão desonrosa e insidiosa.
Gilmar Mendes, que impediu a posse de Lula como ministro de Dilma, se penitenciou ao apostolar o “turning point”. Mendes excomungou Moro em rede nacional de TV com audiências superlativas aqui e lá fora: “A história recente do Poder Judiciário brasileiro ficará marcada pelo experimento de um projeto populista de poder político, cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, a deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um Juiz subserviente a um ideal feroz de violência às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção da inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa humana”.
Moro empunhou o macabro tridente mefistofélico, nas pontas de investigador, acusador e julgador. Os diálogos já conhecidos, a partir de junho/2019, mostravam um juiz subjugando o MP, invertendo ordens da operação, escalando procuradores, orientando a acusação, inclusive com notas para desqualificar a defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando testemunhas para encorpar a acusação. Os novos diálogos confirmam um juiz de primeira instância sequestrando um órgão de Estado para perseguir e manufaturar um cadafalso político até conquistar um troféu. Os comentários da chamada “equipe de Moro” nos diálogos são repugnantes.
A índole de carrasco é ancestral No artigo glorificando a operação “Mãos Limpas”, Sérgio Moro redigiu uma doutrina da usurpação, que se tornou o vade mecum da Lava Jato. O memorial fascista é blasfêmia jurídica: a presunção da inocência pode ser mitigada para encarcerar suspeitos indefinidamente, prender apenas para delatar, deslegitimar a classe política indistintamente e usar os vazamentos como “peneira”, a chamada publicidade opressiva que desfaz as chances de julgamentos imparciais. Ele o executou na Lava Jato. Seu ícone italiano, Antônio Di Pietro, pilhado com as mãos sujas, foi do céu ao inferno vertiginosamente. Moro refaz a mesma via-crúcis.
A recompensa na diocese governista – o Ministério da Justiça – foi uma maldição. Repelido pelos demônios que invocou, Moro foi usado, mastigado e escorraçado depois da guerra pela PF. Moro cuspiu no prato onde se refestelou. Imputou ao capitão um delito. O controle político da PF, segundo ele, poderia ser atestado na reunião ministerial de 22 de abril. Há várias gravidades no encontro, todas ignoradas por Moro. O ex-juiz apenas ratificou ser ruim com provas. A dissimulação por conveniência é outro atributo dele. “Absolveu” Onyx Lorenzoni pelo delito de caixa 2, calou no assassinato de Marielle Franco, desprezou o laranjal do PSL e capitulou diante do peculato de Flávio Bolsonaro.
Na capela do governo, Moro e sua “equipe” do MP sofreram duras derrotas após a publicidade dos diálogos. A perda da Lava Jato na gerência de R$ 2,5 bi de recursos públicos da Petrobrás; derrota no controle do COAF; desfalques em superintendências da PF: aprovação da lei de abuso de autoridade; sentenças reformadas por erros; a nomeação do atual PGR, 3 tentativas frustradas de instaurar CPI contra STF, a prisão após condenação em 2 instância, o pacote anticrime com expurgo de itens fascistas, o juiz de garantias, a exclusão da delação de Antônio Palocci contra Lula; a cassação da “Moro de saias”, Selma Arruda; compartilhamento da íntegra das conversas; e, como golpe letal, a solução Fachin.
Nos cultos políticos tornou-se alvo dos botes das serpentes, cujos ovos chocou. Ensaia pregações angelicais, mas seus rituais remetem ao terror francês, onde processos precários levaram à degolas. Iniciado com a realeza absolutista, a guilhotina terminou no pescoço do ex-ministro da Justiça francês, George-Jacques Danton e Maximilien de Robespierre, líder dos Jacobinos e ideólogo do terrorismo de Estado. Moro é sócio de uma empresa onde atua na recuperação judicial de construtoras que ele próprio arruinou. Ser o novo papa dos corruptores, viver das gordas oferendas, dos sacrifícios de outrora e embriagar-se na congregação diabólica que dizia combater, não o imuniza contra a guilhotina.
A face mais aterradora da degeneração humana é Tomás de Torquemada. Um inquisidor abominável que invejaria as perversões de Curitiba. O frade Torquemada é sinônimo de iniquidades, sadismo, coação, abusos e expoente máximo dos satânicos tribunais do Santo Ofício. As torturas e prisões eram rotineiras. As acusações precárias, tramadas em calabouços escuros e com testemunhas secretas incineraram perto de 2 mil inocentes só na Espanha. A bíblia era a perseguição, intimidação e ausência da defesa. A Lava Jato de Curitiba é o rebento bastardo do paganismo inquisitorial com a barbárie da operação “Mãos Limpas”. Contra as trevas, faça-se a luz.