Um amigo me pediu para escrever algo especial para o 8 de Março. Começo o diálogo com ele – assim: pelo famoso aplicativo de mensagem -, me justificando que ando num desânimo danado, cansada das discussões infindáveis que nos dividem nas lutas feministas e em todas as outras pautas que são abraçadas por pessoas que têm como premissa de vida, a empatia. Descrevo minha tristeza com a guerra de argumentos, traço meu rosário “ressentida” do ressentimento desmedido ou não lançado por cada uma e cada um nos debates eternos e da vaidade que nos toma quando estamos mergulhadas e mergulhados em retóricas cheias de razão motivados por feridas internas. Ele, serenamente, me aconselha a não parar de escrever – frase esta também dita por outro amigo irmão em tempos atrás.
E aí, ao começar a escrever sem pretensão de publicar o que escrevo, penso que não quero trazer os números da violência cotidiana contra à mulher – estes já estarão nos artigos e textos revelados até a exaustão no Dia Internacional da Mulher -; não quero falar do “machismo nosso de cada dia” enraizado nas esferas de poder e no assédio em frente às câmeras tal qual sofreu a deputada paulista; não quero listar a odisseia triste das mães que criam seus filhos sem os pais e nem daquelas que assistem seus ex-companheiros em redes sociais expressarem o quão engajados são em reivindicações feministas, enquanto enfrentam na Justiça uma batalha com os mesmos para assegurar direitos garantidos em lei ao término da relação; não quero me justificar como “mulher branca privilegiada” quando minha intenção nunca foi a de ocupar o seu lugar de fala, mas tão somente falar com você, para você ou em sua/nossa defesa – mesmo sabendo que o velho ditado me sopra aos ouvidos que “de boa intenção o inferno está cheio” -; não quero criticar obras literárias ou músicas que transformam em poesia as mazelas enfrentadas pelas mulheres – mesmo que lá no fundo eu ame com toda a minha alma cada verso daquele “poeta machista” simplesmente pela métrica perfeita que me faz conceder a ele a tal “licença poética” -; e, por fim, não quero ter que colocar flexão de gênero em tudo imaginando que meu machismo será “simplificado” no fato de eu lembrar ou esquecer de escrever “o”, “a” ou “e”.
Eu quero é um “caminho do meio”, um oásis para um mundo imaginário possível. Eu quero é um diálogo leve – entre uma taça de vinho ou um copo de cerveja -, que derrame entre nós o entendimento, a compreensão e o afeto sem qualquer possibilidade de julgamento. Eu quero é o amor “espraiado” – como dizem os lá do Sul -, e esquecer por algumas horas das lutas que travamos, pois se a luta for todo dia, minhas amigas e amigos, nos tornaremos amargos. Há que sermos ácidos, jamais amargos!
Eu quero sim as flores que me dão, as mensagens que me chegam também dos feministas de ocasião, aquele clichê de frase: “mulher guerreira e forte” – tudo bem se você achar que estes adjetivos me adjetivam, eu me conheço bem para dispensá-los quando eu cansar de fingir que dou conta de tudo. Eu quero os dias felizes do tempo que não tínhamos um arremedo de presidente que, antes mesmo de ser presidente, dizia que há mulheres que devem ser estupradas e outras não. Eu quero sinceramente escrever sobre o que nos aproxima, não o que nos afasta. Eu não quero neste 8 de Março ler sobre os estudos, as estatísticas, as diferenças biológicas “mitológicas” ou comprovadamente científicas que nos fazem entrar no “modo desalento” de viver e desacreditar no homem enquanto gênero. Queiramos ou não, dentro dos nossos pensamentos mais pessimistas, progressos fizemos – em marcha lenta quando deveriam ser na velocidade da luz é verdade -, mas estamos mais perto do que almejamos como igualdade do que nossas mães estiveram, e mais longe, sem dúvida, do que nossas filhas merecem e devem ter.
Faz parte da minha resistência: resistir a raiva interna que me domina, rejeitar a vontade de ansiar por “agarrar o touro a unha” e impedir o ímpeto que tenho de lhe agredir para não me ferir. A luta que travo comigo é pelo não ressentimento, por não “re-sentir” a injustiça que sinto. A luta que travo comigo é para que em um futuro próximo nossa guerra não seja entre nós: aquelas e aqueles que verdadeiramente se querem iguais com suas idiossincrasias, aquelas e aqueles que se permitem a possibilidade de convergir antes mesmo de divergir, aquelas e aqueles que traçarão como rota um outro caminho possível para a convivência fraterna, aquelas e aqueles que encontrarão uma estrada para caminharmos juntos, amorosamente de mãos dadas.
E termino com uma frase que é minha por certo, mas que não tem a pretensão de dizer nada, apenas gosto dela pela amplitude com a qual me define: “nunca tive medo de mim mesma, apenas daquela que queriam que eu fosse!”
Não tenham medo, tracem um caminho possível, um caminho do meio!
* Ana Paula Barreto é mãe de Catarina e filha de Dona Zoê. Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduada em Comunicação Legislativa pela Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis). Foi chefe de Comunicação da Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República e assessora de imprensa no Senado Federal.