Passadas as emoções das eleições do próximo domingo, contadas as vitórias e as derrotas, iniciaremos dezembro com sua aura das anunciadas celebrações do Natal e do Ano Novo. Agora, ainda sobre as garras da ominosa pandemia, certamente menos faustosas e mais compungidas. As vacinas que se anunciam merecerão todas as nossas orações no Natal, bem como os nossos risos e oferendas no Réveillon. Há décadas, nunca foi tão oracular a esperança!
Mesmo assim, ainda que sob preces e promessas entre colunas eclesiásticas, africanas roupas brancas, gregos saltos sobre as ondas do mar e mandigas de toda sorte sabemos que iniciaremos o ano de 2021 diante de exuberantes desafios econômicos e sanitários. A vitória de Biden nos Estados Unidos sinaliza um novo diálogo multilateral no mundo, até então solapado por Trump com o apoio militante e simbólico de Bolsonaro no Brasil e de outros governantes menores mundo afora. A reunião do G-20 no último sábado – virtual, mas nem por isso menos importante – de certo modo decretou o fim da era Trump no concerto entre as Nações. A cooperação e o encontro dos interesses comuns nas relações internacionais empunharão a batuta diplomática, em lugar do crescente e assustador nacionalismo vulgar.
Enviesado e historicamente atrasado, o Brasil vai tentar e propugnar pelas trevas. No plano político, Bolsonaro e suas crias se debatem e continuarão se digladiando contra os valores mais elementares da dignidade humana. Na economia, Paulo Guedes, com seu estilo de camelô de elixires, marchara perquirindo o desmonte do Estado brasileiro tungando os servidores públicos e implodindo a saúde e a educação públicas. Tudo em nome das transferências bilionárias para o sistema financeiro.
Empurrados para uma inútil e falsa discussão indentitária confrontando um suposto dilema moralista-pentecostal, abdicamos de refletir e mobilizarmo-nos em torno de temas de fato relevantes para os brasileiros como cidadania, meio-ambiente, a nova economia, qualidade e mobilidade urbana, saúde, pesquisa e educação. Alheia e de costas para a Nação, nossas instituições metamorfosearam-se em sucias de interesses inconfessos. Pontualmente, o STF contém algum dos descalabros cotidianos que pululam no Palácio do Planalto e que saltam, como um vírus, para as ruas contra os interesses dos brasileiros. A refrega sobre as vacinas, sua aquisição e distribuição é o desencontro mais recente e notório.
Na sua série de reportagens sobre a Amazônia, na revista Piauí, sob o título de Arrabalde, João Moreira Salles relembra uma observação distinta da pensadora francesa Simone Weil, para qualificar o descuido do brasileiro com a nossa grande floresta: “a atenção é a forma mais rara e mais pura de generosidade”. Acho que a frase de Weil pode ser oferecida aos brasileiros num esforço de sensibilizar a sua relação com o seu próprio País e lugar. Gentil e suave, a frase poderia ser útil nesses tempos áridos.