O crime de Porto Alegre pode repetir Volta Redonda de 1988

A recente tragédia de Porto Alegre, onde um homem negro foi assassinado por dois homens brancos, pode influenciar a eleição paulistana, assim como ocorrera em 1988, em Volta Redonda (RJ)

Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, agora candidata à vice na chapa encabeçada por Guilherme Boulos, ambos do PSOL - Foto: Orlando Brito

A roda do destino pode levar a deputada Luiza Erundina pela segunda vez à Prefeitura de São Paulo. A rápida configuração política do assassinato de Nego Beto por seguranças do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, pode repetir o efeito Volta Redonda, em 1988, quando a morte de três grevistas mudou o rumo da eleição em São Paulo, levando à vitória a candidata do PT, até poucos dias a terceira colocada nas pesquisas. Foi um escândalo, denominado de “Massacre de Volta Redonda”. Como também desta vez Porto Alegre fique noutro estado, também da outra vez Volta Redonda estava Rio de Janeiro, mas definiu a eleição municipal na capital paulista.

Tal como os fatos da capital gaúcha, que a mídia nacional e internacional está catalogando como um ato de

A greve de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, em 1988

militância racista, também em Volta Redonda as violências que provocaram as mortes dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), então uma estatal, são de origem controvertida. O que valeu foi o resultado, associando-se as mortes à truculência oficial. Em poucos dias, como atualmente, Erundina, então candidata à prefeita da capital paulista, pulou de terceiro lugar para vitoriosa no pleito, derrotando Paulo Maluf, do PDS, e João Leiva, do MDB do então governador Orestes Quércia. Também o presidente do sindicato da CSN, Juarez Antunes, foi eleito prefeito de Volta Redonda. A greve começou em 2 de novembro de 1988, a intervenção militar foi no dia 9 e a eleição seis dias depois, em 15 de novembro.

No Rio Grande do Sul não há candidato oficial na disputa para amargar as culpas. Os dois em segundo turno, Sebastião Melo, do MDB, e Manuela D´Ávila, do PCdoB/PT, são de oposição aos governos do Estado e do município. Não há muito a aproveitar do incidente, embora fortaleça a esquerda. Já em São Paulo o candidato do Psol, Guilherme Boulos, que traz com ele como vice da chapa a ex-prefeita Luiza Erundina, pode vincular seu adversário ao situacionismo. Embora o governador João Doria Jr. seja, hoje, o arquirrival do presidente Jair Bolsonaro, é aliado do prefeito Bruno Covas que, além disso, concorre à reeleição. Duas vezes governo.

Não importa que seu partido, o PSDB, seja o mentor da política antirracista, pois foi no governo de FHC, que tinha o avô do prefeito, o então governador Mario Covas, como um dos ideólogos, que promoveu a requalificação do Brasil de democracia racial para país racista, sacramentado pelas Nações Unidas na Conferência de Durban, na África do Sul, em 2001. Qual nada, Covas vai ser envolvido o incidente de Porto Alegre, pois, como diz o cronista da Folha de São Paulo Jânio de Freitas, o governador gaúcho, Eduardo Leite, também tucano, é diretamente responsável pelo ocorrido, pois um dos seguranças do Carrefour é soldado temporário da Brigada Militar. Portanto culpa do governador, diz o vetusto escriba, ícone da mídia brasileira. Bruno na defensiva.

Cena do vídeo de João Alberto Silveira Freitas sendo assassinado nas dependências de um supermercado em Porto Alegre

Em Porto Alegre, mostra o filme divulgado na Folha, o incidente começou quando a vítima saía do supermercado entre os dois seguranças e desferiu um cruzado de direita no olho de um deles. Aí se iniciou uma luta que, embora desigual, foi ferrenha. A defesa dos assassinos terá contestações das versões em voga, na Justiça. Também em 1988 não se provou nada. Uma das vítimas, Carlos Augusto Barroso, morreu de uma coronhada, e os outros dois, Wladimir Freitas Monteiro e Willian Fernandes, de tiros, mas nunca se provou de onde foram disparados, se pelas tropas federais ou, como disseram algumas testemunhas, de uma janela do prédio da administração da CSN.

Senador Paulo Paim, do PT gaúcho – Foto: Orlando Brito

Também o Rio Grande do Sul vai ser taxado de estado racista, porque dois brancos estavam na cena, e isto configuraria o estereótipo do estado gaúcho. O Rio Grande do Sul, entretanto, é um dos núcleos do movimento negro brasileiro. A ideia da Fundação Palmares e da instituição do dia da Consciência Negra, lembrando a execução do guerreiro Zumbi, em Alagoas, foi ideia de gaúchos, do professor de literatura e poeta Oliveira Silveira e o advogado Antônio Carlos Côrtes, oficializada pelo governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, e que se espalhou como feriado municipal em mais de mil cidades brasileiras.

Também foi gaúcho o deputado Carlos Santos, do PTB varguista, figura emblemática de político negro, e o ex-prefeito e ex-governador do Estado, Alceu Collares. Mais ainda, é a terra do senador negro Paulo Paim, que perfilhou o projeto do então senador José Sarney para instituir cotas raciais, criando, também, a Lei da Igualdade Racial. Mas foi no Rio Grande do Sul que se configurou a cena essencial: um homem negro morto por dois brancos. Não há como escapar do estigma.

 

Deixe seu comentário