O racismo como política de Governo

A partir da morte de João Alberto Freitas num supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS), o autor desenvolve sua análise pessoal sobre o episódio e o racismo no Brasil

Protesto em São Paulo - Foto Pauilo Pinto/Fotos Públicas

Às vésperas do Dia da Consciência Negra um homem negro foi morto por um segurança e um Policial Militar (dois homens brancos) em uma loja da rede de supermercados Carrefour no Rio Grande do Sul. A provável causa da morte, conforme pontuou a delegada que cuida do caso, foi asfixia. O fato é que a vítima foi espancada até a morte.

Seria no mínimo ingenuidade dizer que ele foi agredido e morto somente por ter feito “algo de errado” e que a questão racial não interferiu quando da abordagem dos seguranças do supermercado. Basta que imaginemos o que aconteceria com um homem branco em seu lugar. No Brasil, esse tipo de característica – homem e branco – dá permissão até para o estupro. Afinal, não nos esqueçamos do caso de Mariana Ferrer.

É bom que se diga que a empresa citada convive com casos de violência racial ao menos desde 2009 e ao que parece nunca tomou providências práticas para mudar essa imagem, basta ver que apesar de inúmeras denúncias por parte do Movimento Negro sobre práticas racistas nas dependências de lojas do Carrefour pelo país, nada foi feito.  Ao contrário, o brutal assassinato de João Freitas infelizmente apenas confirma um padrão de legitimação da discriminação e violência perpetrada contra pessoas negras por parte da rede de supermercado.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão – Foto: Orlando Brito

Não bastasse isso, também mantendo o padrão discriminatório, nosso presidente da República não se manifestou sobre o caso, se contentando em agradecer a Pelé, nosso “símbolo de Igualdade Racial”. E para piorar, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, deu declarações à imprensa e de forma cínica sentenciou: “Não existe racismo no Brasil!” Na sua estreita e preconceituosa visão o que existe é apenas desigualdade, o que só demonstra sua completa ignorância em não perceber que a desigualdade em nosso país está intrinsecamente ligada à cor da pele. Além do descaso e da falta de preparo que demonstram quando fatos abalam a Nação, os dois mandatários demonstram sem vergonha que não possuem nenhuma empatia em relação ao caso, já que um ignora por completo o fato, e o outro o nega de forma explícita.

Acontece que a política racista faz parte do Governo Federal e é um projeto de poder que ganha cada vez mais espaço. Conforme matéria publicada na coluna de Mônica Bergamo na Folha de São Paulo, um relatório elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados identificou que o governo Bolsonaro descontinuou, deixou de implementar ou desidratou ao menos nove políticas públicas ou instâncias de deliberação para a garantia dos direitos da população negra e do combate ao racismo. São “pitadas” de racismo institucional expressas abertamente.

Harold Schechter

Tudo isso pode revelar um dado científico da psiquê de governantes populistas. No livro Serial Killers, Anatomia da Mal, Harold Schechter afirma que tecnicamente os psicopatas não são legalmente insanos, eles sabem a diferença entre o certo e o errado e têm como característica mais marcante uma total falta de empatia, são incapazes de sentir pena de alguém, se emocionar, e são extremamente narcisistas. Observam os outros somente como objetos a serem usados e manipulados ao seu bel-prazer. Nada importa para eles a não ser suas próprias necessidades, e como não sentem culpa ou remorso, são capazes de manter uma frieza assombrosa em situações que fariam qualquer pessoa “suar frio”.

É quase a definição psicológica do presidente Bolsonaro, mas que também reflete sua política de governo, o que torna sua gestão ainda mais cruel. É que quando se ignora o recente passado escravocrata que perdurou durante séculos, nega a essência do povo brasileiro e suas raízes fincadas no continente africano. O padre jesuíta Antônio Vieira afirmou no século XVII que “o Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África” e, já naquela época, apontava o frágil combate ao racismo no âmbito político-institucional.

João Alberto Freitas sendo morto pelos seguranças do Carrefour em Porto Alegre

Ignorar a morte de João Alberto Silveira Freitas não é um ato meramente ocasional, é algo muito bem pensado e gestado. Pois a omissão ou a negação na forma do conceito de Necropolítica é incentivada pelo governo federal e colabora com esse tipo de assassinato. Negar ou ignorar o racismo no Brasil e a violência contra a comunidade negra é compactuar com crenças racistas. O morticínio em nosso país sempre teve endereço e cor, basta analisar as estatísticas, ou simplesmente conhecer, ainda que remotamente, a realidade brasileira.

No livro O Contrato Social, Rousseau afirma que “o corpo Político, como corpo do homem, começa a morrer desde o nascimento e traz em si as causas de sua destruição”. O governo Bolsonaro é natimorto por excelência e, talvez por isso, objetivando o mesmo destino aos seus cidadãos, promove com requintes de crueldade o culto à morte. Por todas estas razões, mulheres e homens deste país, sobretudo nós negros, devemos cortar esse mal na raiz. Nossa democracia e nossa Constituição Cidadã serão nossos escudos e nossas consciências as armas mais potentes contra o racismo e o extermínio de toda gente negra brasileira.

*Gabriel Barros é negro, estudante de Direito da Universidade de Aracaju (FACAR) e atua como estagiário no Ministério Público Federal

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