Afinal de contas, o que defende Ciro Gomes?

A deterioração da situação política do governo Temer, sobretudo após a greve de caminhoneiros, contaminou o desempenho de candidatos ligados ao governo nas pesquisas, inclusive Geraldo Alckmin que, mesmo em São Paulo, não cresceu após a saída de Joaquim Barbosa da disputa. Já no PT, as chances de Lula ser solto antes da eleição estão cada vez menores. Desta forma, os olhares voltam-se aos candidatos que ensaiam uma polarização no pleito de outubro: Jair Bolsonaro e Ciro Gomes.

Na última semana, Ciro esteve no programa Roda Viva, para explanar propostas de seu eventual programa de governo. Como é de seu feitio, engrossou a voz para se mostrar compromissado com o ajuste das contas públicas, mas sem detalhar muito suas propostas. Usou dados falsos e imprecisos, como um déficit previdenciário muito menor do que o real (falou em R$ 30 bilhões, quando foi de quase R$ 300 bilhões) e a falsa ideia de que gastamos quase metade do orçamento com pagamento de juros da dívida pública. Falou, inclusive, em criar um teto para esses desembolsos.

Entretanto, dois dias depois, seu principal assessor econômico, Mauro Benevides Filho, ex-secretário da Fazenda do Ceará, concedeu entrevista ao Valor Econômico praticamente desmentindo o candidato do PDT. Mauro detalhou o plano de ajustes, com cobrança menor de IRPJ para empresas e criando uma tributação sobre lucros e dividendos. Falou em rever alguns dos benefícios fiscais presentes no sistema tributário atual. Ainda disse que criaria um teto para o endividamento do governo federal, semelhante ao de Estados e Municípios. Na Previdência, a ideia seria partir em três fases: na primeira, o Tesouro Nacional bancaria benefícios de até um salário mínimo para aqueles que nunca contribuíram; no segundo, variando de 1 a 3,5 salários mínimos funcionaria o atual regime de repartição e, acima disso, regime de capitalização individual. Isso tudo, com idades mínimas para aposentadoria, variando por critérios regionais e laborais, de acordo com o economista.

Evidentemente, ainda são necessários cálculos para comprovar a viabilidade dessas propostas. Porém, o diagnóstico e extensão são quase opostos do discurso público adotado por Ciro Gomes. Em algum momento, os discursos de Ciro e Mauro deverão se unificar, pois será insustentável fazer jogo duplo, como é o que parece atualmente, durante uma campanha eleitoral extremamente polarizada como a que se apresenta.

Resta saber se o discurso preponderante será o negacionista e simplista de Ciro Gomes, ou o racional e responsável plano de Mauro Benevides. Cabe lembrar, também, que a crise de popularidade que acometeu o segundo mandato de Dilma Rousseff deveu-se, em larga medida, ao estelionato eleitoral cometido pela mandatária, que durante a campanha negou diversos problemas na economia para, depois de reeleita, admiti-los e mudar totalmente o rumo de seu governo. Déjà vu?

*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com

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