Os generais falantes e o presidente mudo

Qualquer que seja o resultado do julgamento do habeas corpus preventivo com o qual Lula quer evitar sua prisão após condenação pela segunda instância da Justiça Federal, não é o Supremo Tribunal Federal o poder que sairá mais enfraquecido do drama político-judicial que virou o julgamento do ex-presidente. O Supremo será criticado de um jeito ou de outro, a depender de sua decisão. Festejado por uns, escorraçado por outros. Ministros polêmicos, como Gilmar Mendes – que já mal pode frequentar um avião de carreira -, Luís Roberto Barroso, com quem o Planalto está em guerra por conta das últimas decisões, e decisivos, como Rosa Weber, a quem se atribui o ponto de desequilíbrio na balança do julgamento de hoje, serão santos e demônios, dependendo de quem reza a missa. As declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, estimulando outros pronunciamentos do partido da caserna, exponhem, porém, um elevado enfraquecimento político do governo, particularmente de Michel Temer. Calado pelos comandantes militares que deveriam prestar a ele subordinação e continência, Temer não teve força política sequer para reagir ao que se desenhava como uma quartelada.

A fala do general Villas Boas, que veio na sequência das insidiosas declarações do general da reserva Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, não recebeu qualquer crítica pública do Planalto. Ou foi um discurso combinado, algo improvável, já que o próprio Temer e seu grupo político se beneficiariam de uma decisão do STF contra a prisão após segunda instância. Ou Temer não teve mesmo capacidade de reagir, apesar de ter ao seu lado um linha dura, o general Sérgio Etchegoyen, que tem canal direto com os mais falantes oficiais de alto coturno. De todos os presidentes que, desde a redemocratização, enfrentaram crises militares – que, por sinal, vinham minguando a cada nova administração -, nenhum teve mais tolerância com a indisciplina e menos força para impor sua Presidência. Nem mesmo José Sarney, que teve seu Leônidas Pires Gonçalves. Villas Boas não é nem de longe um Sylvio Frota, mas é evidente que perdeu os freios. E ninguém o multou por excesso de velocidade. Na única declaração pública sobre o assunto, nesta quarta, 04, Temer saiu pela tangente. “O que dá estabilidade ao país é o cumprimento rigoroso da Constituição, daquilo que a soberania popular no Brasil conduziu”, afirmou. Nenhuma referência direta ao caso. Temer parecia estar com o script para abrir um congresso da associação de jornais.

Foi de fora do Planalto que vieram alguns sinais de distensão, depois que a porteira já estava arrombada. O ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que os comentários do comandante do Exército foram no sentido contrário ao uso da força e que a população “pode ficar tranquila” em relação ao teor do que foi dito. Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, e até já pouco titular da pastas da Defesa, disse que a fala do general Villas Bôas foi “correta” ao repudiar a impunidade. Fora da Constituição e do jogo democrático não há a possibilidade do retorno ao passado”, disse. Já Rodrigo Janot, ex-procurador-geral, foi enfático: “Se for o que parece, outro 1964 será inaceitável”. Mas logo contemporizou. “Não acredito nisso realmente.”

Curiosamente foi o marechal Castelo Branco, primeiro ditador pós-golpe de 1964, quem criou a expressão – e os militares sempre gostaram de falar em códigos – “vivandeiras alvoroçadas”. A expressão foi apropriada para definir, num linguagem mais popular, aqueles civis ou militares que, na falta do que fazer, conspiram para que os militares enveredem por descaminhos da aventura política. E Temer não tem vocação, ou poder, para conter esse alvoroço.

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