O nome é Boulos

O discurso de 55 minutos de Lula no alto de um carro de som, cercado por líderes políticos de esquerda, e diante de uma platéia de militantes que desde a véspera fazia um cerco humano ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, não serviu apenas para que o ex-presidente anunciasse solenemente, às 12h44, que sairia dali para se entregar à Polícia Federal. A platéia recebeu com um sonoro “oooooh”, mas já esperava. De improviso, como sempre, mas focado nos recados que queria passar, Lula fez um inventário de sua vida sindical e política, criticou os inimigos de sempre – Ministério Público, Juiz Sérgio Moro, TRF4, imprensa -, mas, principalmente, indicou caminhos para a sucessão presidencial deste ano. Enquanto escrevo este texto, Lula se entrega à PF, como disse, para “provar sua inocência”. Há uma quase certeza de que Lula não passará muitos dias preso, por obra e graça da máquina judiciária nacional. Ele sabe, porém, que dificilmente terá seu nome inscrito nas urnas que anunciarão, em outubro, o próximo presidente. Se estiver, resolvido. Senão, sabe que o tempo urge. E ficou evidente seu flerte com Guilherme Boulos.

Se está óbvio, depois de muitos tapas e beijos, de parte a parte, que Ciro Gomes, do PDT, foi expelido da frente de esquerda que Lula começa a montar – por sua postura asséptica e irrelevante nos últimos dois dias, e por sequer ter aparecido no palanque final de Lula -, também foi percebido o aceno para três possíveis candidatos presidenciais – Boulos, do PSOL, Manuela D’Ávila, do PCdoB, e Fernando Haddad, do PT, possível substituto de Lula nas urnas. Se descermos a uma interpretação quase psicanalítica do discurso de Lula, diria que ele teve uma atenção flutuante em relação a Haddad. Deixou-o no jogo, mas ao mesmo tempo tirou-o. Manuela, cuja beleza Lula elogiou, é uma paixão política platônica de Lula. A identificação de Lula, me parece, é com Boulos. “Você tem futuro, meu irmão. É só não desistir nunca”, avisou Lula, com um forte abraço. Seria uma opção ousada. Apoiar um candidato do PSOL, escoadouro dos petistas descontentes. Por outro lado, teria o sentido de um reencontro, como foi o comício de Lula na porta de seu velho sindicato. Evidentemente, essas são hipóteses, já que não tenho bola de cristal. Cravar algo, como o possível sucessor de Lula no dia de sua prisão, seria pretensioso demais.

De resto, você verá nos próximos dias uma luta da mídia pela imagem de Lula preso. Como disse Lula em seu discurso, esse é, afinal, desde o começo, o sonho de consumo da chamada grande mídia. “Fico imaginando o tesão da Veja, da Globo, colocando uma fotografia minha preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos”, ironizou. Veja já fez sua capa patética antes mesmo da prisão, afinal, tinha seu prazo de fechamento da edição. Mostra um Lula velhinho atrás das grades, como quem deseja a ele muitos anos de cana. Para quem tem uma visão diferente do Brasil, fica a imagem de Lula deixando o sindicato nos braços da militância. Flores nas mãos. E gritos de apoio. Na era da imagem, escolha a sua. Do pixuleco ou do mito.

Deixe seu comentário