Marisa morreu na contramão, atrapalhando o tráfego tucano – mais especificamente do prefeito João Dória, membro egrégio da elite paulistana. Poucas atitudes poderiam simbolizar melhor, neste início de ano, a intolerância e o preconceito que tomaram conta da política brasileira do que a decisão de Dória – que participa até de ato público para inaugurar painel de grafiteiros, coisa que o discípulo de Romero Britto odeia – do que se recusar a inaugurar nesta terça, 02, o viaduto que leva o nome da ex-primeira-dama Marisa Letícia. O evento foi cancelado e a via será aberta ao trânsito, sem solenidades – fato vergonhoso. A Prefeitura de São Paulo informou, gélida, que o prefeito classifica como “injusta homenagem” a nomeação de um viaduto no extremo da Zona Sul da cidade com o nome da falecida companheira do ex-presidente Lula, com quem viveu por 43 anos, morta em fevereiro deste ano em razão de um acidente vascular cerebral.
A Prefeitura esclareceu ainda que a escolha do nome do viaduto é prerrogativa da Câmara Municipal e fruto de um acordo entre a maioria dos vereadores — e apenas por isso foi respeitado pela administração municipal. Quanta benevolência! O acordo, já divulgado pelo Divergentes em 12/12, foi o que rebaixou Marisa Letícia de avenida na Chácara Santo Antônio, bairro nobre da capital – prolongamento da avenida Chucri Zaidan -, trocando-o por um viaduto em obras na região do M’Boi Mirim. A ideia era evitar polêmica com batedores de panela da Zona Sul de São Paulo.
O projeto de lei original, assinado pela bancada do PT, ficou parado por quase 9 meses em razão da resistência de demais vereadores. Moradores do bairro rico pressionavam contra a aprovação do projeto porque não queriam a homenagem a Marisa Letícia em uma via de destaque da Chácara Santo Antônio. Diante do impasse, o presidente da Casa, Milton Leite (DEM), e o vereador Paulo Batista dos Reis (PT) apresentaram substitutivo que deu o nome de Marisa ao viaduto que se inicia na Estrada do M’Boi Mirim e termina na confluência da avenida Luiz Gushiken – outro nome ligado ao PT, ex-deputado federal e ex-ministro, morto em 2013 – com a rua Adilson Brito. O projeto de lei foi aprovado de forma simbólica pelos vereadores – sem votação nominal.
No dia 9/12, antes do acordo geográfico, o vice-presidente da Câmara, Eduardo Tuma (PSDB), por orientação do Palácio do Anhangabaú, havia derrubado a sessão que votaria o chamado PL 81/2017 em segundo turno. “Fiz isso para evitar o constrangimento do prefeito em vetar”, admitiu Tuma, na época. Daí veio a ideia do acordão para desterrar a homenagem para bem longe. Talvez os nobres vereadores tenham achado que era um local mais apropriado para a mulher que nasceu em uma casa de pau-a-pique, no bairro dos Casa, sobrenome de seu avô, que tinha um sítio no interior de São Bernardo do Campo, no ABC paulista
A prefeitura chegou ao requinte de divulgar nota dizendo que o prefeito não concorda com a nomeação de alguém que seria “envolvido no maior escândalo de corrupção já registrado no país e que nunca morou na cidade nem jamais lhe trouxe qualquer benefício”. A assessoria de Lula disse que Marisa Letícia “sempre agiu dentro da lei e a favor do Brasil, tendo trabalhado a vida inteira como empregada doméstica, operária e mãe, jamais tendo cometido qualquer crime em toda a sua vida. Jamais ocupou qualquer cargo público e sempre agiu para elevar o nome do país como primeira-dama. Foi acusada apenas e tão somente pelo objetivo político de atingir o ex-presidente com uma acusação absurda para tentar impedi-lo de continuar suas atividades políticas”.
A capital paulista ainda conserva 39 nomes de ruas que homenageiam torturadores, entre eles o ex-chefe do Dops, delegado Sérgio Paranhos Fleury, todos com histórico de desrespeito aos direitos humanos. Isso, obviamente, não interessa a Dória. Com essas atitudes, o prefeito conquista agora lugar cativo do lado direito do capeta e pode inaugurar um crematório com o seu nome, com direito a fogos.