Não exatamente uma vida nova com um novo ano. Só muda o ano, e na verdade quase nada se altera, salvo a sequência numeral dos próximos doze meses. Entramos então na era do ano 22 da década de 20. Singularmente preocupante, no Brasil, por causa das eleições. Mas que os brasileiros saberão resolver adequadamente.
Todos estão descansados e animados pela passagem da data mais fantástica e lindamente comemorada da vida, seguindo-se às comemorações do nascimento de Cristo. O mundo ficou mais bonito com o advento e a sofisticação dos fogos de artifício, encantando os habitantes da terra e contribuindo para alegrar os espíritos. Por 24 horas estabelece-se uma sensação geral de alegria, otimismo e perspectivas de melhoria da vida.
Neste curto mas extraordinário período todos descansaram, e por um dia tiveram a sensação de que estavam num paraíso. Problemas da maioria dos terráqueos pareciam resolvidos, e o alívio é sempre bem-vindo. Nesse curto período, repetido anualmente com vigor maior, só havia beleza e alegria na terra. Copacabana se consagra como o mais belo espetáculo pirotécnico do mundo. Alvíssaras pelo ano novo.
A realidade por horas esquecida volta depois com o mesmo realismo e sofrimento humano. Fogo sob panelas estragadas que cozinham pedaços de ossos com miúdos de carne a título de alimento para nossos irmãos, que já não possuem escolas, moradias, comida. Todos cientes de que para eles nada melhorou. Nem deve ser superada tão cedo a miséria brasileira nem o sofrimento de sua majoritária população carente.
É a fantástica comemoração da passagem de ano, fenômeno que promove rápido e passageiro descanso à população mundial. Com a tentativa de revigoração da decisão de luta pela sobrevivência da humanidade. Daí o repetitivo feliz ano novo e votos de prosperidade. As perspectivas não são animadoras, no entanto.
Além da pobreza e da violência, a humanidade enfrenta hoje, com tendências de pioras, florestas incendiadas, oceanos contaminados, pandemias, camadas de ozônio, redução de oxigênio, aquecimento atmosférico e a secular falta de alimentos. Além da intransigência política e social que gera conflitos.
A gigantesca festa tem sua utilidade. Ajuda a recuperar parte das forças desperdiçadas na luta pela melhoria do padrão de vida, sem muitas vitórias a comemorar. A conscientização global pela necessidade de recuperação da pobreza universal avança mas as dificuldades a combater se ampliam. O dia de festas com fogos e brilhos no céu e parafernália promocional suscitam alegria na população mundial. Tão passageiras quanto os festejos.
O retorno à anormalidade com suas dificuldades diárias é imediato. Resta-nos lutar para manter a esperança de melhoras e persistir para que elas aconteçam. Os festejos e expressões de alegria e felicidade da população mundial não podem se restringir à magia do último dia de cada ano. Há populações quase inteiramente sofredoras e miseráveis. Exemplos na África e no Haiti. Lá onde a simples sobrevivência é extremamente difícil, a vida pode se assemelhar a um castigo.
Não precisamos ir longe. Em nosso valente Nordeste brasileiros vivem sem alimentos nem água para beber. Por vezes o gado morre e resseca na aridez. Alguns resistem, porém a luta cansa, exaure, desanima, retira a alegria da vida. Lá não existem festas de ano novo, chocolate, fogos de artifício. Restam-lhes apenas brasas rasteiras das tentativas de recozinhar o parco feijão da véspera.
A humanidade não pode fracassar na tarefa de ser feliz e fraterna, e aguardar milagres que venham a superar a situação adversa. Há que se esforçar na conquista dos objetivos. Não basta o Feliz Natal e o Feliz Ano Novo. Nem fogos e presentes. É preciso batalhar e garantir a todos os humanos condições de lutar pela sua sobrevivência. E não se deixar levar por ilusões festivas.
— José Fonseca Filho é Jornalista