Uso o nome de um samba-canção que fez sucesso nos anos 70 do século passado para dar título a este artigo. Não o faço, apenas, para lembrar que nossa autoridade-mor desdenhou da pandemia, lançando-nos no pandemônio em que nos encontramos. Estamos vivenciando, um ano depois do primeiro registro de infecção, o pior momento do Brasil na pandemia.
É que, ali, naquela música, se encontra o seguinte verso que pinço: “E me perdoe se eu insisto nesse tema. Mas não sei fazer poema ou canção”. Trata-se de linhas muito apropriadas para justificar minha insistência no questionamento dos critérios que os poderes públicos têm adotado para ir deixando para trás os idosos e os demais segmentos vulneráveis à infecção por covid-19.
Explico o motivo de minha grita. Assisti na TV à manifestação de respeitável epidemiologista paulista, segundo quem, na vacinação, talvez não seja o caso de se priorizar a imunização de idosos, porque esses são os que mais respeitam um dos protocolos básicos de enfrentamento à covid-19: não circular. Essa posição acaba de ser atropelada pela última diretriz do NHS britânico, o avô do nosso SUS.
É preciso vacinar primeiramente os mais idosos e não os profissionais que correm mais risco de simplesmente ser contaminados, mesmo na área de saúde em sentido amplo. De fato, os idosos ficam mais em casa, mas acabam se contaminando porque familiares e convivas mais jovens saem às ruas pelos mais diversos motivos e, descuidados, acabam trazendo o vírus para os lares e infectando os que correm mais risco de morrer.
O problema está em que, para arrefecer a circulação do vírus, precisaríamos, então, focar no segmento que mais circula, a turma que não sossega por necessidade de sobrevivência física ou espiritual; ou a turma que acredita que a vida bandida é que é bela. “Como se não houvesse amanhã”, diria o Renato Russo.
Se considerássemos apenas a faixa etária de brasileiros entre 15 e 40 anos, onde, creio, possam se situar os que mais circulam porque, na ausência de uma renda universal básica, precisam trabalhar ou porque não conseguem viver sem ir a um baile funk, a uma rodada de chope com os amigos, ao culto ou a uma simples “resenha”, como diria minha neta, teríamos um público-alvo de aproximadamente 85 milhões de brasileiros, ou 40% da população, segundo os dados do IBGE. Para impedir a circulação do coronavírus apenas neste segmento, precisaríamos, considerada a necessidade de duas aplicações, algo em torno de 170 milhões de doses! Que tal?
Quantas temos disponíveis, atualmente? Dando de lambuja, talvez possamos falar em um estoque de 20 milhões de vacinas. Mas, se nos concentrássemos tão somente nos que estão no grupo dos acima de 60 anos que, segundo o IBGE, perfazem algo em torno de 15% da população, ainda assim haveria uma carência preocupante. Necessitaríamos de cerca de 60 milhões de doses. Durma-se com um barulho desses.
Além da razão ética de dar maior assistência médica aos que mais precisam dela, ou seja, os que mais correm o risco de morrer (entre nós, 80% dos óbitos por covid-19 ocorrem entre os maiores de 60 anos), há um imperativo determinante da priorização da vacinação para idosos. Eles são os que congestionam as unidades de tratamento intensivo. Só a vacinação impediria ou diminuiria o ritmo da ida dos idosos para uma instituição de saúde.
E, no meio de uma pandemia, os complexos ambulatoriais-hospitalares não podem ruir. É preciso contar com meios e pessoal disponíveis para lidar com os casos clínicos mais graves, e, ainda, o atendimento a outras emergências e urgências que não param, esperando a pandemia passar. Obviamente, esses profissionais, incluídos os de apoio de toda ordem, não podem deixar de ser vacinados.
E isso é apenas um arremedo para ir contornando o caos em que já nos encontramos.
Não dá para ignorar as palavras do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para quem “a luz no fim do túnel é a vacinação em massa”. Vacinação em massa mundo afora, acrescento. E o mais rápido possível, pois as mutações do vírus acabam por reduzir a eficácia das vacinas disponíveis.
De minha parte, vou insistindo nesse tema: “Mas não sei fazer poema ou canção que fale de outra coisa que não seja o amor”. O amor ao próximo, o amor a toda a humanidade. No dia em que nos faltar a empatia, já não poderemos mais ser chamados seres humanos. Talvez lá o mundo já esteja povoado pelos tais robocops que só conhecem a linguagem da violência. Uma espécie, quem sabe, de transumanos. Como Macunaíma, eu já terei virado estrela, com ou sem coronavírus em minhas veias.