Quando tinha quinze anos passei um dos melhores carnavais da minha vida. Foi no interior do Espírito Santo, para onde viajei com amigas de infância que ficariam na casa de parentes.
Menina criada em Brasília, descobri que as moças da cidade pequena eram muito mais avançadas que eu. Controladas pelas mães, aquelas garotas davam nó em pingo d’água e me faziam sentir uma perfeita idiota.
A rotina era puxada. De dia matinê, depois um rolê na pracinha e de noite baile de carnaval. Na cidade provinciana a juventude bebia muito, todo mundo cheirava lança perfume, inclusive o juiz e o prefeito, e algumas meninas já transavam.
Eu que vinha da capital da República me espantava com tamanha modernidade. Só havia um detalhe: tudo era meio escondido. A regra subliminar daquele jogo era que podia fazer tudo desde que nada fosse escancarado.
Essa lembrança me trouxe saudade do que vivi, ali acabei ficando mais esperta e cheguei até a me apaixonar. Mas me trouxe também um certo alívio por perceber que o tempo de fazer coisas escondidas passou.
A extrema direita que governou o Brasil nos últimos quatro anos era mestre nesse tipo de hipocrisia. Faça o que quiser, desde que por debaixo dos panos.
Para essa turma, os gays devem ficar no armário, as mulheres devotadas ao lar, as famílias fingindo harmonia mesmo quando ninguém se suporta.
Paradoxalmente, não podem sequer falar em aborto, enquanto defendem que prendam e matem menores de idade infratores. Pregam a paz nos lares, mas andam armados até os dentes.
Se tivesse sido outro o resultado das eleições, o Brasil caminharia para o coroamento desse tipo de hipocrisia, em que se pode fazer de tudo, desde que bem camuflado.
Nada mais falso moralista do que o slogan Deus, pátria e família, usado em vários tempos e lugares sempre que o fascismo quis se apropriar do poder.
Não teremos dias fáceis, nem tenho a ilusão de que surfaremos uma onda perfeita pelos próximos quatro anos, mas sei que ao menos nos livramos do retrocesso que o governo anterior representava.
Muito bom passar um carnaval assim: sem COVID e sem Bolsonaro.
O carnaval é uma festa profana, não combina com slogans moralistas nem com medo de contato.
Como diz o belo samba enredo da União da Ilha, imortalizado por Caetano: É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar…
Aproveitem o carnaval! Temos ótimos motivos para festejar com o rei Momo.