Conheci Annie Ernaux uns três meses antes de ela ganhar o prêmio Nobel de literatura. Confesso que antes de ir a um bate papo sobre a obra dessa escritora francesa na livraria Circulares pouco tinha ouvido falar dela.
Melhor seria se já tivesse lido alguma coisa antes do encontro, mas Ricardo Fróes, que mediou a conversa, conseguiu nos transmitir seu encantamento pela obra de Ernaux e acabei comprando dois livros: O lugar e O acontecimento.
Li primeiro O lugar, e desde o início me senti arrebatada pelo estilo direto e sem firulas com que a autora tratou de sua relação com o pai e com o lugar onde cresceu e foi criada, me impressionou sua consciência social desde muito jovem.
O livro é curto, dá para ler em uma sentada. Dada a narrativa forte e envolvente, não consegui largar até terminar. Liguei para uma amiga, cheia de terapia como eu, imediatamente depois de concluir a leitura e chorei ao comentar sobre o livro. Aquela história dela com o pai me fez pensar sobre a minha própria história.
Dias depois parei para ler O acontecimento, outro livro curto que dá para ler em uma sentada. Porém, se já fiquei impactada com a outra obra, essa me tirou o fôlego.
Seguindo o estilo autobiográfico que não poupa o leitor da realidade muitas vezes cruel de sua própria vida, a autora relata os percalços que enfrentou para interromper uma gravidez indesejada quando era muito jovem, no início dos anos 1960, quando o aborto ainda era ilegal na França.
Sem entrar em juízo de valores, já que foi uma decisão que não lhe coube dúvida, Annie Ernaux mostra as dificuldades, o sofrimento e a solidão de uma mulher que se submete a um aborto clandestino.
Num encontro em Brasília com a filósofa e socióloga francesa Gisèle Szczyglak, soube que Ernaux foi criticada em seu país mesmo após ganhar o Nobel. Alegam que sua obra é muito pessoal e feminina demais.
Talvez por esse motivo, ao receber o prêmio Nobel, no dia 7/12, ela discursou questionando o lugar que as mulheres ocupam no campo literário e no mundo.
E nós, por aqui, continuamos a questionar o lugar que as mulheres ocupam no Brasil.
Dentre os primeiros nomes anunciados por Lula para ocupar a Esplanada não consta nenhuma mulher. Espero que ele se redima e dê às mulheres o lugar de destaque que merecem. Convém lembrar que o público feminino foi responsável, em grande parte, pela derrota de Bolsonaro nas últimas eleições.
Melhor não subestimar a gente.