Uma grande revisão constitucional

O contexto histórico no qual a Constituição atual foi elaborada explica a razão de existirem tantas matérias de natureza não constitucional em seu texto, mais da metade dos 250 artigos. Esse excesso de temas tem gerado muitos conflitos, entre os quais, o ativismo do Judiciário, em especial do STF. A solução possível para o momento é uma forte revisão constitucional.

Por definição conceitual, Constituição é o pacto social onde são estabelecidas as regras básicas e estruturais de constituição de uma Nação, disciplinando, em síntese, estrutura e objetivos do Estado, normatizando principalmente os poderes estatais, competências, hierarquias, sistema tributário, limites, direitos e garantias individuais. Preceitos sólidos que precisam de uma maior rigidez.

Um exemplo de um texto constitucional bem estruturado é o da Constituição americana, aprovada em 1787 com apenas sete artigos. Ao longo de todos esses anos de vigência, mais de 200, recebeu apenas 27 emendas.

No Brasil, diversamente, em menos de 200 anos, já tivemos sete constituições diferentes – 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, cada uma com inúmeras emendas.

Ulysses Guimarães com a Constituição promulgada no Congresso Nacional, em 1988

Com mais de 100 emendas já promulgadas e 3692 PECs (Propostas de Emenda Constitucional) – em tramitação somente na Câmara dos Deputados -, a Constituição Federal brasileira de 1988 é uma verdadeira colcha de retalhos. A todo o momento são necessários ajustes ao texto original.

Isso ocorre principalmente porque figura na nossa CF um número excessivo de matérias típicas de legislação ordinária, as quais, pela própria dinâmica e evolução dos fatos, necessitariam de um quorum menor para modificações e alterações.

Dos 250 artigos da Carta Magna brasileira, bem menos da metade deles tratam de temas realmente constitucionais, enquanto os demais poderiam e deveriam ser disciplinados por meio de legislação ordinária.

O contexto histórico no qual a Constituição atual foi elaborada explica a razão de se inserir tantas matérias que não são de natureza constitucional, pois veio na esteira do pós-regime militar onde constituintes, inobstante o admirável trabalho desenvolvido com muitos acertos, buscavam assegurar algum benefício para os grupos ou corporações que representavam. Assim, quase tudo da vida nacional se transformou em matéria constitucional.

Apenas para se avaliar o desbalanceamento daquela que foi intitulada “Constituição Cidadã”, tenha-se presente que a palavra “direito” é mencionada 137 vezes, enquanto a palavra “dever” é anotada 30 vezes, sendo 19 referente a “dever do Estado”. Além disso, até morrer se tornou inconstitucional, pois foi assegurada “a inviolabilidade do direito à vida”, o que por sinal contrasta com o número de cerca de 70 mil homicídios por ano.

Além das dificuldades geradas por essa constitucionalização de quase todos os temas da vida nacional, há também um ativismo intenso do Supremo Tribunal Federal, o qual, na qualidade de guardião da Constituição, trata ou avoca praticamente todas as matérias da Federação, assumindo assim uma função de preponderância, não raras vezes invadindo competência dos outros Poderes.

Diante disso ocorrem seguidamente crises institucionais dos mais variados matizes. Causa primeira: a constitucionalização exacerbada de matérias que não possuem natureza constitucional. Causa segunda: bem, recentemente um magistrado da Suprema Corte disse que se criarem a CPI da Lava Toga o Supremo a extinguirá (“Se a CPI da Lava Toga for instalada o STF manda trancá-la”).

Supremo Tribunal Federal – Foto Orlando Brito

Em face do momento político atual, de forte divisão ideológica, não é viável a promoção de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. A solução possível para o momento é uma forte revisão constitucional, com a retirada da Carta Magna de temas que não possuem natureza constitucional, como a exemplo, dentre outros, licença maternidade e paternidade, estabilidade no emprego, seguro-desemprego, 13º salário, regras previdenciárias de ordem secundária e tantas outras de caráter infraconstitucional. Não que os temas não tenham sua relevância, mas se comportam em legislação ordinária.

Com isso, podemos ter a PEC das PECs, que tornaria desnecessária a tramitação de milhares de PECs, pois a grande maioria diz respeito a temas que não devem estar na Constituição. Após a revisão constitucional e desconstitucionalização de diversos temas, as revisões e atualizações legislativas poderão se dar por via de projetos de lei, pois serão relacionadas a matérias de legislação ordinária, facilitando o trabalho do Congresso Nacional e a vida da sociedade.

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