Desde a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro construiu uma narrativa que agradou a diversos setores da sociedade, principalmente aos setores financeiro, empresarial e político de centro. Garantiu que deixaria a economia à cargo do ministro da Economia, Paulo Guedes, e que faria mudanças pra expulsar os que se aproveitavam dos cargos do governo.
Ocorre que descobriu que em um regime democrático de Estado de Direito o poder do presidente é limitado e, para que se possa governar com um mínimo de tranquilidade, é indispensável dialogar com os outros poderes. Mesmo tendo sido deputado por 40 anos, o presidente parece não ter conhecimento do sistema e da necessidade que os governantes têm de construir uma maioria no Congresso que permita aprovar projetos importantes para o mandato e, também, evitar situações arriscadas como as Comissões Parlamentares de Inquérito.
Também desconsidera que o governante precisa ter boas relações com o Supremo Tribunal Federal e com o Tribunal de Contas da União. E que essas boas relações não são construídas somente com a indicação de um ou dois ministros (o ex-presidente Lula que o diga). Bolsonaro desprezou esses conceitos e, sentindo-se fortalecido por uma militância organizada e ruidosa, partiu para o enfrentamento ao Congresso, principalmente ao ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e ao STF.
Ocorre que, aos poucos, a promessa de não intervir na economia foi ficando mais difícil de cumprir, a reforma tributária passou dois anos parada e a reforma da previdência acabou gerando um desgaste do Congresso com os demais servidores públicos ao poupar os militares. A reforma administrativa valerá só para os futuros servidores e as privatizações ainda não saíram do papel. A cada semana, o quadro de estrelas do Ministério da Fazenda brilha um pouco menos e deixa mais isolado um ministro que aproxima seu discurso do bolsonarismo e gera mais insegurança entre os agentes econômicos.
É provável que as classes A e B já não se sintam atendidas plenamente por
Bolsonaro, mas o mais importante é que ele representa um risco ainda maior para eles que é o retorno do PT ao poder. A presença de Bolsonaro nas eleições de 2022 dificulta consideravelmente a ida de um candidato de centro ao segundo turno das próximas eleições.
Com o eleitorado ainda potencialmente dividido em opostos, um possível candidato de centro disputará votos com Bolsonaro. Do outro lado, o PT segue hegemônico e com maior capacidade de articulação com os partidos de esquerda tendo Lula como possível candidato. Cultivar o apoio de uma militância conservadora pode ser um caminho seguro para Bolsonaro manter seu lugar garantido no segundo turno. Resta saber qual o tamanho do capital (econômico e político) que seguirá apostando nesse projeto para o país a partir de 2022.