A Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, promoveu um Seminário, não fulanizado, como dizia Marco Maciel, da maior importância para discutir a crise brasileira, suas raízes históricas e soluções futuras. Foi muito útil, e a presidência do Nelson Jobim, um dos mais preparados homens públicos do Brasil, deu o tom ao debate. Duas constatações foram unânimes: que vivemos sempre em crise e que estas sempre encontraram uma solução pacífica, característica do país.
Nunca vivemos a paz e a tranquilidade que gostaríamos de ter tido. Na Colônia os jesuítas foram várias vezes expulsos por defender a liberdade dos índios. A vida era, no testemunho fundamental de Antonil, um desastre de egoísmo. As revoltas se sucederam até chegarmos à de um homem que queria apenas servir, o Alferes, cuja confiança era no Brasil e não em Portugal.
No Brasil Reino se tentou logo a república, e as punições foram drásticas. Depois o príncipe-herói-pai-da-pátria-constitucional revelou-se um autocrata e, com seu filho, inventa um parlamentarismo disfuncional em que o príncipe-sábio-republicano derruba os governos com crises artificiais. E nada das duas questões essenciais do século XIX: o fim da escravidão pela educação e pela reforma agrária e o estabelecimento de uma federação.
A Constituição outorgada em 1824 foi rasgada por um grande soldado, fiel ao Imperador, mas possuído por um acesso de ciúme político. Sim, o povo assistiu bestializado à chegada da República, na frase de Aristides Lobo, e mais bestializados ficaram os políticos, pois, criada por um golpe de Estado, ela tinha esse defeito de nascença, o de não o ser pela vontade geral da nação.
A Revolução de 30, a Carta de 1934, o Estado Novo, a Constituição de 46, o golpe de 1964 passaram por crises sucessivas. Coube-me, por força do destino, comandar a Transição Democrática. Convoquei e garanti a Constituinte e fui o primeiro a jurar a Constituição de 1988. É a melhor que tivemos. Avisei, no entanto, sobre o risco da ingovernabilidade.
Montou-se, sob a sempre meritória repulsa à corrupção, uma guerra de destruição da política. A grande atingida foi a confiança nas instituições. O Legislativo, o Executivo e o próprio Judiciário tiveram seu prestígio esfacelado. O resultado foi a gravíssima crise econômica, sem saída à vista, pois qualquer caminho passa pela confiança destruída. Mas não deve ser esquecida a insegurança expressa em números — de assassinatos que superam os das maiores guerras contemporâneas e de presos por medidas cautelares; a educação, a ciência e a saúde destruídas; o desemprego e mais de 50 milhões de trabalhadores desamparados.
Todos esses problemas foram levantados, e a tônica maior foi a defesa da Democracia e nossa defesa extrema do Estado de Direito e do respeito à Constituição, que protege todos os direitos. E o Seminário continua com a discussão dos problemas com o objetivo de apresentar soluções e defendê-las.
Em resumo, agora continuamos nosso calvário de lidar com crises. Mas as Instituições estão consolidadas e atravessaremos, como sempre o fizemos, as nossas crises, agora o excesso delas, da política, dos partidos, da pandemia, da energia, das secas, das queimadas, da economia, da inflação e da autoestima.
O Brasil, vivendo sempre com crises em nossa História, aprendeu a resolvê-las.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras (Artigo publicado também no jornal O Estado Maranhão)