Democracia brasileira tem evoluído ou regredido?

O Legislativo do Brasil, nas suas diversas formatações desde o império, alguma vez representou os eleitores?

Manifestação na Esplanada dos Ministérios

Sem dúvida alguma que o melhor indicador para aferirmos a evolução civilizada de uma nação é analisarmos a durabilidade de suas leis e a segurança jurídica que os governantes asseguram aos governados.

Façamos uma rápida visita ao arquivo dos textos das nossas sete constituições para analisarmos tão somente o que vem acontecendo com o PODER LEGISLATIVO – do qual, nas verdadeiras democracias, nascem as leis.

Constituição  Início da vigência Fim da vigência  Número de emendas Duração
Império 1824 1889 1 65 anos
República 1891 1930 1 40 anos
Rev. 1930 1934 1937 1 3 anos
Estado Novo 1937 1945 21 8 anos
Redemocratização 1946 1967 27 21 anos
Rev. 64 1967 1969 2 anos
AI-5 1969 1987 26 18 anos
Redemocratização 1988    +120 35 anos

 

Descoberta em 1550, a terra do pau brasil somente foi oficializada e, de fato tomada a posse pela Coroa Portuguesa, em 1546 com a criação das Capitanias Hereditárias, quando os amigos do rei receberam a propriedade de partes do que já era considerado domínio português antes mesmo da descoberta.

“…que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha direta de polo a polo; convém a saber, do polo Ártico ao polo Antártico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas de Cabo Verde em direção à parte do poente, por graus ou por outra maneira, que melhor e mais rapidamente se possa efetuar contanto que não seja dado mais. E que tudo o que até aqui tenha achado e descoberto, e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito senhor rei de Portugal e por seus navios, tanto ilhas como terra firme desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do levante dentro da dita raia para a parte do levante ou do norte ou do sul dele, contanto que não seja atravessando a dita raia, que tudo seja, e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e aos seus sucessores, para sempre. E que todo o mais, assim ilhas como terra firme, conhecidas e por conhecer, descobertas e por descobrir, que estão ou forem encontrados pelos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Aragão etc., e por seus navios, desde a dita raia dada na forma supra indicada indo pela dita parte de poente, depois de passada a dita raia em direção ao poente ou ao norte-sul dela, que tudo seja e fique, e pertença, aos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Leão etc. e aos seus sucessores, para sempre.” O Tratado de Tordesilhas foi um acordo internacional assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de junho de 1494, celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela para dividir as terras “descobertas e por descobrir” por ambas as Coroas fora da Europa.

 

Em 25 de março de 1824, o imperador D. Pedro I, com base na “Graça de Deus” e na “unânime aclamação dos povos” (preâmbulo), outorgou a primeira constituição do Império

1º – CONSTITUIÇÃO DO IMPéRIO 1824 outorgada por D. Pedro

Constava o seguinte sobre o Poder Legislativo:

“Art. 73. Cada um dos Conselhos Geraes constará de vinte e um Membros nas Províncias mais populosas, como sejam Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Geraes, S. Paulo, e Rio Grande do Sul; e nas outras de treze Membros.

Art. 75. A idade de vinte e cinco annos, probidade, e decente subsistencia são as qualidades necessarias para ser Membro destes Conselhos.”

Após a abdicação de dom Pedro I, em 1831, o Brasil foi governado por regentes, líderes políticos que agiam em nome do herdeiro da Coroa, dom Pedro II, impossibilitado de tomar posse por ser menor de idade

Esta regra durou apenas 8 anos, pois pela Lei Nº 16 de 12, de agosto de 1834, também conhecida como GOLPE DA REGêNCIA, aumentaram-se dos 21 para 36 membros das maiores províncias e de 13 para 20, nas demais.  Evidente que não foi o aumento da população que determinou esta alteração, mas sim a pressão dos “conselheiros” para terem destaque com os títulos de DEPUTADO e SENADOR. Foi o primeiro golpe de estado dos muitos que já tivemos, perpetrado pela REGENCIA: LEI Nº 16 DE 12 DE AGOSTO DE 1834.

“A Regencia Permanente em Nome do Imperador o Senhor Dom Pedro II Faz saber a todos os Subditos do Imperio que a Camara dos Deputados, competentemente autorizada para reformar a Constituição do Imperio, nos termos da Carta de Lei de doze de outubro de mil oitocentos trinta e dous, Decretou as seguintes mudanças e addições á mesma Constituição.

Art. 1º O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição será exercitado pelas Camaras dos Districtos e pelas Assembléas, que, substituindo os Conselhos Geraes, se estabelecerão em todas as Provincias com o titulo de Assembléas Legislativas Provinciaes…

Art. 2º Cada uma das Assembléas Legislativas Provinciaes constará de 36 membros nas Provincias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e S. Paulo; de 28 nas do Pará, Maranhão, Ceará, Parahyba, Alagôas e Rio Grande do Sul; e de 20 em todas as outras. Este numero é alteravel por Lei Geral.”

“Art. 40. O Senado é composto de Membros vitalicios, e será organizado por eleição Provincial.”

  1. DPedro II foi imperador do Brasil durante quase 50 anos, reinando de 1840 a 1889, quando o segundo golpe de estado dos militares criou a república.

CONSTITUIÇÃO DE 1891, Parlamentar, sobre o legislativo determinava o seguinte:

“Art. 16 – O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República.

1º – O Congresso Nacional compõe-se de dois ramos: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Art. 17, § 2º – Cada Legislatura durará três anos.

Art. 28 – § 1º – o número dos Deputados será fixado por lei em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado.

Art. 30 – O Senado compõe-se de cidadãos elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35 anos, em número de três Senadores por Estado e três pelo Distrito Federal, eleitos pelo mesmo modo porque o forem os Deputados.

Art 31 O mandato do Senador durará nove anos, renovando-se o Senado pelo terço trienalmente.”

CONSTITUIÇÃO DE 1934 – também parlamentar determinava sobre o legislativo o seguinte:

“Art .22 – O Poder Legislativo é exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal.  Parágrafo único – Cada Legislatura durará quatro anos.

Art. 23 – A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto, e de representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar.

1º – O número dos Deputados será fixado por lei: os do povo, proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para cima, de um por 250 mil habitantes; os das profissões, em total equivalente a um quinto da representação popular. Os Territórios elegerão dois Deputados.

O ditador Getúlio Vargas governou sob a égide da constituição de 1937 – Foto: Jean Manzon

CONTITUIÇÃO 1937 – outorgada por Getúlio Vargas.

“Art. 39 – O Parlamento reunir-se-á na Capital federal, independentemente de convocação, a 3 de maio de cada ano, se a lei não designar outro dia, e funcionará durante quatro meses a partir da data da instalação, podendo somente ser prorrogado, adiado ou convocado extraordinariamente, por iniciativa do Presidente da República.”

CONSTITUIÇÃO DE 1946, parlamentar, que assim decidiu sobre o Poder Legislativo;

“Art. 56 – A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Territórios.

Art. 58. O número de Deputados será fixado, por lei, em proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada quinhentos mil habitantes.

1º – Cada Território terá um Deputado, e será de sete Deputados o número mínimo por Estado e pelo Distrito Federal.”

Soldado monta guarda em frente ao Congresso Nacional, fechado pelo AI-5 em 1968 – Foto: Orlando Brito

CONSTIUTIÇÃO DE 1967 – Imposta pelo regime militar, além do AI-5 de 13/12/1968, para o legislativo fixava:

“Art. 41, § 2º – O número de Deputados será fixado em lei, em proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes.

  • 4º – Será de sete o número mínimo de Deputados por Estado.”
A atual constituição, de 1988, é a sétima na história do Brasil

CONSTITUIÇÃO DE 1988 – parlamentar

“Art. 14. § 1º. O alistamento eleitoral e o voto são: I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II – facultativo para maiores de dezesseis e menores de 18 anos;

  • 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: V – a filiação partidária;”

OBSERVAÇÃO: A primeira emenda da atual constituição, em 06/04/1992, foi para tratar dos salários dos deputados estaduais, 75% do que ganham os deputados federais e máximo de 75% do que ganham os estaduais para o teto do salário dos vereadores.

Deputado Tiririca posa para foto no plenário da Câmara dos Deputados – Foto: Orlando Brito

Resumo da história: o número de parlamentares sempre aumentou mais que o acréscimo da população. Pelo toma lá dá cá do sistema, se estabeleceu 8 deputados para cada um dos 11 estados com menor população, disparate que estes onze elegem 88 deputados com menos votos que os 33 milhões de eleitores de São Paulo, que elege 70 deputados. Destaque-se que o Tiririca, nesta eleição, o menos votado em SP, com 71.754 votos, quase somou o total das votações dos oito deputados do Acre.

Não se pode aceitar mais o velho ditado de que o “POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE”, isto porque o POVO BRASILEIRO NUNCA CONSEGUIU SE EXPRESSAR COM LIBERDADE, mas sempre foi vítima deste sistema viciado e vicioso que criou o astronômico número de 513 deputados, exigindo 37 ministérios para atender a entourage dos partidos sem propostas e programas.

Nesta rápida análise nos referimos apenas ao número de parlamentares, mas pretendemos, em outros artigos, falar dos Tribunais de Contas, em que se empilham sem concursos, pelos arranjos políticos, o compadrio e nepotismo de parlamentares, e seus familiares e amigos.

Lula, o atual presidente brasiliano, e Bolsonaro, o antecessor – Fotos: reprodução

A democracia brasileira evoluiu nestes 200 anos para o povo ter a única opção de votar em Lula ou Bolsonaro?

Aprimorar e melhorar a democracia se consegue não pela quantidade, mas exclusivamente pela qualidade do parlamento.

Não existe outra saída para atingirmos a verdadeira democracia sem novas regras de um sistema de governo que seja livre da ditadura partidária.

Uma CONSTITIUINTE EXCLUSIVA, com constituintes que não precisem estar filiados a partidos políticos, eleitos diretamente com seus próprios votos em seus distritos, é a única forma do PODER SOBERANO DO POVO recuperar seu espaço estabelecendo um sistema de governança em que se exija RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva (nilsoromeu@sguarezi.com.br) 

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