Na esquina da minha casa tem uma drogaria. E depois de um tempo as drogarias andam pareadas com os supermercados. Precisamos dos comprimidos da mesma forma que precisamos do leite.
Hoje, pela manhã, eu estive lá. Desta vez foram só vitaminas, sabonete e um doce para a neta. Acho esquisito venderem doces em drogarias, mas já que vendem e eu sou avó…
A fila de pagamento estava bem grande e lenta. Tem a fila preferencial, mas no caso de hoje éramos todas preferenciais.
Na minha frente, uma senhora com seus 80 e muitos anos, bem-vestida, com colar de pérola, unhas feitas e cabelo penteado com laquê.
Seu vestido chemise na cor lilás com pequenas flores brancas, fazia um belo contraste com seus grandes olhos esverdeados e com os cabelos curtos e bem cortados.
Os sapatos pretos, com um discreto salto, não eram muito aconselháveis para um passeio sozinha, mas que a deixavam ainda mais elegante, era fato.
Eu acho muito digno uma senhora se enfeitar para ir até uma drogaria. Fiquei envergonhada com minha calça xadrez com cara de pijama.
Ela se confundiu um pouco com os cartões, precisou consultar a senha num pequeno papel dobradinho em quatro partes e confesso que fiquei um pouco impaciente. É a velha mania de estar com pressa, mesmo sem saber o motivo da pressa. Logo voltei ao estado de empatia. Para lá eu vou se tudo correr bem…
Saímos juntas e percebi que ela estava com dificuldade para atravessar a rua. Ofereci meu braço e ela foi contando que aproveitou a folga de sua acompanhante para se sentir um pouco livre. “Gosto de ficar comigo”. “Tenho saudade de mim”, ela disse e continuou: “Quem não pode saber disto é meu filho! Ele me trata como eu o tratei há 60 anos”, ela ri.
E assim ela foi contando sua vida, da saudade do marido e da casa com quintal e pé de jabuticaba.
E foi aí que passamos na porta da cafeteria e eu lhe disse:
— Vamos tomar um café?
— Vamos! Assim minha travessura fica completa!
Tomei cuidado para que ela não ficasse de costas para a rua. O vento frio que chegou para nos ‘contar’ que é outono poderia lhe causar um resfriado.
Para acompanhar o café, pedimos bolo e ela escolheu o de chocolate.
Aproveito para contar para Lucy — é este o seu nome — que tenho um projeto de inclusão de palavras e que fiz uma campanha na internet para trocar o nome do bolo Nega-maluca, por ser um nome racista, para bolo Maria-Maria.
Ela gostou do novo nome e prometeu me convidar para um café com o bolo rebatizado.
No final da história fui até a porta do seu prédio, nos despedimos com um abraço apertado e para mim ficou a certeza de que às vezes a vida nos pede um café e um pouco de transgressão.
Só.
Odette Castro – é autora de “Rubi”, “Na beira do mar o amor disse ‘oi’” e crônicas do cotidiano. Ativista da inclusão e criadora dos projetos “Fale Certo — Linguagem Inclusiva” e “Uma flor por uma dor”.