A força dos Estados Unidos sempre foi a sua democracia, cheia de encantos mil. De uns tempos para cá, porém, os elementos que transformaram o território americano na “maior potência do globo” vêm sendo ameaçados pelo mesmo fenômeno, as liberdades individuais, que já transformaram o país, onde se podia transitar livremente, numa nação praticamente inabitável.
A ociosidade do governo quanto ao extremismo nas forças armadas foi uma escolha. Hoje, com uma nova ameaça terrorista, seu custo está provando ser incrivelmente alto.
Este é o período mais perigoso, tenso e emocional de conflito político na história moderna americana. Isso é pelo menos o que os observadores políticos sentem.
É impossível saber, no entanto, a ramificação do terrorismo doméstico nos Estados Unidos. Mas, no entanto, muito antes da mortal insurreição no Capitólio, órgãos de inteligência tentaram alertar os barnabés na capital norte-americana.
Mais de difícil, de qualquer forma, foi a tarefa dos agentes dos órgãos de inteligência. Na administração do governo Obama, oficiais emitiram um relatório sobre um aumento do extremismo de extrema direita e da radicalização desencadeada, em parte, pela eleição do primeiro presidente negro. Entre outras preocupações, detalhou os esforços de grupos terroristas domésticos para recrutar veteranos militares que serviram no Iraque e no Afeganistão.
Nunca na história dos órgãos de inteligência do Tio Sam um relatório foi tão preciso. “A disposição de uma pequena porcentagem de militares de se juntar a grupos extremistas durante os anos 1990 porque estavam descontentes, desiludidos ou sofrendo os efeitos psicológicos da guerra está sendo replicada hoje”, destacou o documento.
Claro, os conservadores de plantão e os apresentadores da rede Fox News rapidamente atacaram os assessores de Obama por supostamente difamar os veteranos desta nação, ignorando deliberadamente sua citação de “pequena porcentagem”. Talvez preocupados que a reação pudesse dominar a presidência nascente do primeiro presidente negro, eles logo ofereceram “sinceras desculpas por qualquer ofensa”. Esse relatório desapareceu silenciosamente.
De acordo com uma lista compilada pela NPR, quase 20 por cento das mais de 140 pessoas que enfrentam acusações relacionadas à insurreição do Capitólio incitada pelo ex-presidente Donald Trump “serviram ou estão servindo atualmente nas forças armadas dos EUA”. Três delas – Jessica Marie Watkins, Donovan Ray Crowl e Thomas E. Caldwell – recrutaram outros elementos, realizaram campos de treinamento e reuniram armas e bombas caseiras para levar para o ataque em Washington. Cada um agora enfrenta inúmeras acusações federais, incluindo conspiração para obstruir o Congresso.
Era isso que órgãos de inteligência temiam. No entanto, a reação ao relatório não apenas prejudicou os esforços para erradicar os racistas nas forças armadas. Ele também alcançou seu objetivo maior – ofuscar a ameaça incessante de violência da supremacia branca.
Agora, o Departamento de Segurança Interna emitiu um novo boletim de terror avisando que “extremistas violentos” chateados com a transição presidencial “, bem como outras queixas percebidas alimentadas por narrativas falsas, podem continuar a se mobilizar para incitar ou cometer violência.” Terroristas domésticos “podem ser encorajados” pelo cerco ao Capitólio que matou cinco pessoas, incluindo um policial do Congresso americano.
É a primeira vez que o DHS centraliza, como um potencial de ameaça terrorista, o extremismo branco de extrema direita – embora sempre tenha sido a ameaça mais insistente desta nação.
Acontece que o raciocínio bem exercitado também determina esta forma de antecipar-se. Por meses, nos corredores de Washington, analistas que cobrem os órgãos de inteligência ressaltavam que o país estava à beira de um conflito armado em massa.
Embora não mencione especificamente o envolvimento de militares ou veteranos ativos, sua possível radicalização continua sendo uma preocupação significativa. Em 2019, uma pesquisa com assinantes do Military Times descobriu que mais de 33% dos soldados em serviço ativo e 50% dos militares negros disseram ter testemunhado pessoalmente atos de racismo e nacionalismo branco em suas fileiras. Isso incluiu “suásticas sendo desenhadas nos carros dos militares, tatuagens filiadas a grupos de supremacia branca, adesivos apoiando a Ku Klux Klan e saudações no estilo nazista entre indivíduos”.
Embora os sinais de alerta tenham estado lá o tempo todo, o ócio em relação ao extremismo nas forças armadas foi uma escolha. O custo dessa decisão está provando ser impossivelmente alto.
Hoje soa muito difícil qualquer ação para erradicar esse penoso cenário. Certamente, mas deveria ter sido tomada depois que Timothy McVeigh bombardeou o Alfred P. Murrah Federal Building em Oklahoma City, matando 168 pessoas, incluindo crianças, em 1995. Ele, junto com seus co-conspiradores Terry Nichols e Michael Fortier, eram todos veteranos do exército. Mais recentemente, Daniel Harris e Joseph Morrison, ambos ex-fuzileiros navais, estavam entre um grupo de homens acusados de conspirar para sequestrar a governadora Gretchen Whitmer, de Michigan.
Nada disso sugere que a maioria dos atuais ou ex-militares são violentos supremacistas brancos que planejam derrubar o governo. No entanto, também é provável que o que os oficiais da inteligência chamaram de “uma pequena porcentagem” em 2009 só tenha aumentado durante os últimos quatro anos, quando um avatar racista e antidemocrático ocupou a Casa Branca.
Para o secretário de Defesa Lloyd Austin – general quatro estrelas aposentado e o primeiro negro nessa posição, extirpar o extremismo de extrema direita dos militares deve ser uma prioridade. Ele disse aos senadores que o trabalho do Pentágono é “manter a América segura de nossos inimigos. Mas não podemos fazer isso se alguns desses inimigos estiverem dentro de nossas próprias fileiras.”
Ainda mais do que uma questão de coesão da unidade, esta é uma questão urgente de segurança nacional. Aqueles que querem atacar o país que uma vez juraram proteger devem ser erradicados. E isso deve ser feito apesar dos gritos inevitáveis dos conservadores determinados a minar os esforços para desmantelar a supremacia branca.
Doze anos atrás, oficiais da inteligência disseram: “Não podemos nos dar ao luxo de concentrar nossos esforços em um grupo; devemos proteger o país do terrorismo, seja estrangeiro ou interno, e independentemente da ideologia que motiva sua violência”.
E mesmo que não haja um surto de hostilidades físicas, a retórica crescente é certamente um prelúdio para algo – algo sombrio e agourento, não purificador.
Washington ainda não tem esse luxo, embora o país muitas vezes pareça ter uma aversão maior à responsabilidade do que à violência. Nunca poderão dizer que não foram avisados, apenas que não ouviram as potentes ameaças daqueles que se radicalizaram contra a democracia de desonrar seu serviço e colocar em perigo a mais robusta e estável democracia do planeta.
O país se encontra divido. Uma bifurcação escancarada tão vasta que seria engraçada se não fosse também triste e assustadora.
Alguns analistas políticos pensavam que a saída de Donald Trump da Casa Branca permitiria a Joe Biden começar a curar a nação. Não parece que isso está acontecendo, pelo menos ainda não começou. Na medida em que a saída de Trump criou um vácuo, ele está sendo preenchido por mais rancor e ódio.