A recente indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal foi antecipadamente transformada em uma espécie de brincadeira, quando o presidente Bolsonaro anunciou que para a vaga aberta não iria indicar, necessariamente, um notável jurista, como é de praxe. Mas um que fosse igualmente representante do clero. Ou seja, de uma das alas da igreja. Assim a religião virou parte do processo.
Começou errando por aí, e colocou uma visão menos séria do problema: quem seria indicado, se não um destacado jurista de reconhecida respeitabilidade. Fixou-se então na indicação de um representante, entre tantos, da Igreja. Mas não esta a única qualidade. Resolveu, por uma razão de indisfarçado interesse político, com a indicação de um evangélico, e igualmente destacado jurista.
Mas o presidente já se fixara antes em outra característica difícil de encontrar. Que seria realmente a condição básica para o indicado. Não ser apenas evangélico, mas terrivelmente evangélico, daqueles que até podem assustar. E com essa ideia o presidente se divertiu. São cerca de 63 milhões de evangélicos no Brasil, mas nunca foi feita uma avaliação sobre a percentagem de terríveis entre eles.
Quem sabe nem serão tão terríveis assim, mas a ideia presidencial vingou, ao menos como brincadeira, que é uma de suas características. Como é o novo ministro será comprovado nos próximos anos. A partir de agora entre os ministros polidos e intelectualmente refinados pode estar um evangélico irascível e doublé de jurista.
Educação e paciência o novo ministro demonstrou por 4 meses sem que o presidente da CCJ colocasse ao plenário a apreciação de seu nome para a vaga existente. Não se sabe a razão do castigo, mas certamente não se tratava de um terrivelmente evangélico, mas de um calmo sofredor. Senão teria reagido. O presidente não falou terrivelmente de brincadeira, mas para sintonizar o que ele pretende fazer em seu relacionamento com o STF.
A maioria acredita que será um relacionamento tranquilo, mas pode ocorrer o contrário. Os evangélicos no Brasil atual desempenham muitas atividades políticas, elegendo representantes e se tornando um grupo atuante nas atividades econômicas. Possuem vários parlamentares na Câmara e no Senado, além das assembleias estaduais.
Destacam-se em atividades mais produtivas e políticas do que seria realmente a ação evangelizadora. Dispõem de poder político e interesses do mesmo teor, atuando em vários casos meio descompromissados com a evangelização. É das mais ricas e organizadas Igrejas e a que revela maior crescimento no Brasil. Em breve deverá superar o grupo dos católicos em número de seguidores.
A atividade a ser desenvolvida pelo novo ministro, a depender dele, e a considerar a parceria com a religião, pode seguir até a aposentadoria. É um ministro jovem. Ele verá que poderá ser meio difícil seguir a Bíblia na vida e a Constituição no Supremo, como afirmou. A mistura das duas atividades poderá seguir linhas de confronto e eventuais dificuldades.
Outra questão que não está conseguindo ser evitada no Brasil é a progressiva mistura da política com a religião, realidade crescente nos últimos anos. Bolsonaro indicou Mendonça para ministro do STF mais por ele ser evangélico – e com suspeita de terrível – do que por suas qualificações jurídicas.
As comemorações do grupo de Mendonça pela vitória, com a alegre participação da esposa do presidente, foram mais religiosas do que políticas ou jurídicas. No gabinete, gritos de Glória a Deus; Aleluia; Ó Deus; Obrigado Senhor, por Ouvir a Nossa Voz, foram repetidos seguidamente, em alta voz. Comemoravam a vitória do pastor evangélico terrível para ministro do STF.
— José Fonseca Filho jornalista