A Constituição Federal determina que o Senado Federal, uma das duas Casas em que se divide o Poder Legislativo no Brasil, seja também responsável na escolha de um novo membro do Supremo Tribunal Federal (STF). Para que tal ocorra, o escolhido pelo Presidente da República tem de ser sabatinado pelos senadores que integram a Comissão de Constituição e Justiça e depois disso, que o plenário da Casa (o conjunto de seus integrantes) ratifique essa aprovação. É de praxe que o indicado saia de curriculum vitae debaixo do braço e faça um longo percurso de gabinete em gabinete buscando a simpatia de cada um desses representantes dos Estados-membro da Federação.
(Aqui entre nós, uma excelente ajuda nesses casos é que o candidato procure obter o apoio do principal assessor do ilustre senador, antes de falar diretamente com o interessado. Via de regra – e toda regra tem exceção – os senadores ouvem muito os que os assessoram, sobretudo se a sabatina se referir a assunto que S. Exa. não conhece bem.)
Isso posto, no dia e hora aprazados, o candidato se dirige à sala onde se reúne a Comissão acima referida e ali, por suposto, terá de responder a todas as perguntas que lhe forem feitas.
(Aqui também, na situação concreta, a “rádio-corredor” já terá anunciado se o indicado será bem ou mal recebido, se sofrerá um intenso questionamento por parte dos senadores, se todos terão a priori simpatia por ele, se algum partido ou um conjunto deles fará um verdadeiro bombardeio sobre o pobre coitado. É da vida!).
Há alguns anos pude acompanhar lá nos Estados Unidos, pela televisão, a sabatina de um candidato: Samuel Alito, afinal aprovado como membro da Suprema Corte. Fiquei boquiaberta: durante vários dias, quase que noite e dia, os senadores americanos submeteram-no a um verdadeiro suplício, indagando o conteúdo de várias decisões antes por ele proferidas como juiz, em causas de grande relevância para a opinião pública e até mesmo fazendo-o lembrar-se do que dissera em tal ou qual ocasião anterior em uma aula ou num debate público. As perguntas chegaram ao ponto de indagar se ele ainda mantinha a mesma posição que defendera em artigo escrito há dez ou mais anos antes. De tal modo reviraram as ideias do candidato que até eu que lá não moro poderia com certeza dizer se ele tinha condições de ser um bom Justice e se, como tal, votaria contra ou a favor de determinados temas… Fantástico! O processo todo, muito sério.
O Presidente Bolsonaro recentemente indicou o desembargador Kassio Marques do Piauí para o lugar do veterano (e então decano) Ministro Celso de Mello que se aposentou por agora.
No último dia 21 de outubro, a CCJ do Senado submeteu o candidato à necessária sabatina.
Confesso que disso não me lembrei e nada vi da sessão televisionada, mas posso supor o que tenha sido, a partir do que o ilustre Senador Antônio Anastasia, do PSDB de MG, postou no Facebook (ando agora, em tempos de pandemia, voltando a usar essa rede social, cansada do isolamento em que temos de permanecer).
A sabatina não é um momento para rapapés e salamaleques. Por isso, a mesma é feita em horário nobre e, de uns tempos para cá, transmitida por TVs de modo a que o público possa acompanhar e ser elucidado sobre o que pensa aquele que poderá vir a ter assento no Pretório Excelso (nome rebuscado para designar o mais importante Tribunal do país e que pode também ser usado por puxa-sacos nas mais diferentes situações em juízo).
Mas não é isso que ocorre aqui. Aqui, como mais ou menos deixei entrever acima, o momento tão esperado se transforma numa laudação ou num mero xingamento ao candidato, neste caso, quase chegando a ferir a honra da senhora mãe do Fulano. Os senadores que irão votar sim dizem que conhecem aquele pessoa há anos, que aquela pessoa possui todas as condições para o exercício da função da qual é pretendente e por aí vai. Mas a mim, que sou mera representada pelo Senador que ali está nada fico sabendo sobre o que pensa e como pensa o indicado. Acompanho a sabatina (quando o faço) e saio do mesmo tamanho que entrei: crua. A sabatina não sabatina coisa alguma. É um teatro.
E o que ainda chega a ser pior: como o indicado deve possuir saber jurídico e reputação ilibada, os senadores invocam o passado dele nesta ou naquela situação anterior, como que a colocar na testa da pessoa um selo de divindade. Este continuou pela vida a fora tão familiarizado e atualizado no Direito brasileiro como há quinze ou vinte anos, e jamais cometeu um deslize qualquer desde que nasceu ou desde que passou a ocupar seja lá qual for o cargo que tivera anteriormente…
Mas isso é o “normal” num país sem tradição de respeito ao interesse do público.
Como exclamam os gaúchos: Bah!
Em tempo: no caso aqui examinado, o agora coroado já fizera na “sabatina” da CCJ o devido chamamento divino invocando o profeta Isaías – o que certamente determinou que ligeirinho, logo em seguida, o plenário do Senado aprovasse seu nome por 57 a 10.
Agora podemos exclamar aliviados: “Habemus Ministrum!”. Será assim em Latim?