Ao atribuir sigilo de 100 anos ao processo que investigou a participação de Eduardo Pazuello em ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no ultimo dia 23, no Rio de Janeiro, o Exército atiçou ainda mais a curiosidade sobre os bastidores do caso e a decisão de arquivar a denuncia sem impor qualquer punição ao ex-ministro da Saúde.
Também deixou claro que houve interferência direta de Bolsonaro para que Pazuello não fosse punido. A quebra das regras militares, sobretudo a disciplina e a hierarquia, preocupa analistas e políticos. As Forças Armadas garantem que não há risco de ruptura institucional e que o caso não representa a rendição do Exército aos interesses do presidente.
Pode até ser que não e que o caso Pazuello tenha sido um fato isolado no qual os comandantes optaram por não entrar em confronto direto com o presidente para evitar uma tensão política ainda maior. Mas acende uma luz amarela, sobretudo por Bolsonaro tratar o Exército como uma força a serviço do seu governo e não do estado brasileiro.
O que tem preocupado, no entanto, são algumas ações isoladas, adotadas por policiais militares. Recentemente alguns casos chamaram atenção da imprensa. Uma deles ocorreu no município de Trindade, região metropolitana de Goiânia-GO, no final do mês passado.
Um professor, ligado ao PT, foi detido por um policial militar com base na Lei de Segurança Nacional por calúnia contra o presidente Bolsonaro. Ele havia colocado no capô do carro um adesivo com a frase: “Fora Bolsonaro genocida!”.
O segundo aconteceu em Recife-PE durante os protestos realizados em todo país contra o governo Bolsonaro quando a PM dispersou os manifestantes com balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta. Uma pessoa que passava no local e resolveu filmar acabou ficando cego por ter sido acertado com uma bala de borracha no olho.
No caso de Pernambuco, a ordem para dispersar os manifestantes não partiu do governador Paulo Câmara, filiado ao PSB, portanto, oposição ao governo federal.
Embora isoladas, essas ações não acontecem por acaso. Ao lado dos evangélicos, os policiais militares formam o maior grupo de apoio ao presidente Bolsonaro. A indisciplina e o desrespeito à hierarquia podem ser fatais para a democracia.
Não por acaso o comandante-geral da PM-DF, coronel Márcio Cavalcante Vasconcelos, encerrou o discurso em uma solenidade no quartel, realizada na semana passada, citando o slogan da campanha de Bolsonaro em 2018: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Essas ações vêm sendo estimuladas pelo presidente e seus filhos. Na paralisação de policiais militares no Ceará, em março do ano passado, Bolsonaro minimizou o ato ilegal e defendeu a atitude dos militares durante uma de suas lives.
No início de maio, uma operação da PM do Rio em Jacarezinho, resultou na morte de 25 pessoas. Um policial civil e 24 moradores da região. Os três filhos do presidente foram às redes sociais lamentar apenas a morte do policial. Não são manifestações aleatórias, são ações pensadas e calculadas para angariar a simpatia da corporação ao presidente.
A violência continua a grassar nas ruas do país, mas os policiais enxergam em Bolsonaro um aliado. É aí que mora o perigo.