O episódio envolvendo o youtuber Monark durante a entrevista dos deputados Kim Kataguiri e Tabata Amaral, ocorrido esta semana, foi didático e profilático para o debate em torno dos conteúdos veiculados na internet, mas principalmente sobre o que está acontecendo no Brasil. Somente nos últimos três anos, houve um aumento de 270% de ações neonazistas em nosso país. Isso, segundo o cientista político André Lajst, é reflexo do discurso de ódio disseminado nas redes sociais, na mídia tradicional e entre políticos. “Todo discurso de separação entre a sociedade, eles e nós, todo discurso que uma parte da população é pior que a outra, que um setor da sociedade é pior que o outro, influencia esse tipo de comportamento”.
Judeu, cujo avô foi preso em um campo de concentração na Polônia no holocausto, Lajst traz no DNA as lições do mal que a humanidade pode sofrer por escolhas erradas. Durante a entrevista, lembrou que o nazismo não perseguiu apenas os judeus, mas os negros, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e outras minorias consideradas inferiores por Hitler e seus seguidores.
O caso acendeu uma luz não apenas sobre a responsabilidade dos influenciadores – uma verdadeira praga no mundo digital -, em relação ao que dizem e fazem, mas sobretudo ao que vem acontecendo em toda sociedade. “Políticos, pessoas que têm influência, jornalistas, acadêmicos precisam o tempo todo rejeitar esse discurso de ódio”, afirma o cientista político.
A visibilidade dada pela internet em si não é ruim. Pode ser boa. Graças a essa profusão de programas, vídeos e podcasts, muitos artistas, humoristas e influenciadores, que dificilmente teriam oportunidade de ganhar o mundo, surgiram no meio digital. Com talento e ousadia, conquistaram milhares de fãs. Winderson Nunes, Gkay, Carlinhos Maia e o cantor João Gomes, são apenas alguns exemplos de pessoas que conseguiram ultrapassar fronteiras.
Além das oportunidades aos talentos brasileiros, a democratização da informação é importante por outros inúmeros motivos. Mas é preciso constar no pacote responsabilidade e respeito. Ao abrir espaço para assuntos pouco explorados pela mídia tradicional, os podcasts conseguem atrair não apenas uma considerável fatia do público, mas dos próprios influenciadores na política, no entretenimento, no esporte, no empreendedorismo e na comunicação.
O absurdo proferido por Monark, que defendeu a existência de um partido nazista, corroborado pelo deputado Kim Kataguiri, merece todo o repúdio da sociedade como aconteceu. E revela a falta de preparo de muitos influenciadores na hora de se comunicar com o público. Mas também demonstra que, apesar do crescimento do discurso de ódio, estamos no caminho certo. A reação imediata da sociedade e do próprio mercado retirando os patrocínios é a prova dessa conscientização.
Sem precisar de uma censura oficial, o que é muito perigoso, o episódio foi resolvido – pelo menos no caso do Monark, não vi nenhuma retaliação séria em relação ao deputado – de uma forma rápida e transparente. Monark foi “castigado” exemplarmente. Além de ter sido desligado da empresa a qual ajudou a fundar e do cancelamento do público, no último podcast que comandou, nesta terça-feira, ouviu, sóbrio, uma aula de história, civilidade e humanidade ministrada por Lajst.
Durante a fala, o cientista político esclareceu o motivo de não ser possível existir a liberdade total de ideias e expressão no mundo em que vivemos. “A república de Weimar, que foi o governo alemão antes da subida de Hitler ao poder, acreditava na inclusão de várias ideias e na liberdade total de expressão. Com isso, o partido nazista concorreu democraticamente e venceu as eleições e o primeiro ato deles foi acabar com toda sociedade civil alemã, todas as instituições democráticas e perpetuar o que aconteceu na Segunda Guerra com 50 milhões de mortos, 6 milhões de judeus exterminados”, afirmou.
A lição foi dura. Para Lajst, esse tipo de debate dentro de uma sociedade democrática não pode ser permitido. “Você não tem como debater com aquele que, se subir ao poder, vai matar você. Isso tá fora do campo democrático das ideias. É como colocar um partido que é uma organização criminosa como o PCC no poder. Isso é ruim pra sociedade, pra humanidade e pro futuro do mundo”.
As pessoas têm muito a aprender sobre liberdade de expressão e responsabilidade. Mas com certeza censurar não é o melhor caminho porque vai aguçar a curiosidade e atrair ainda mais adeptos a esse tipo de assunto. A sociedade precisa ser educada. Como disse o Lajst, “tem ideias que são tão perigosas pra própria sociedade que elas têm que ser combatidas no início, na educação primária, no ensino médio, no sistema jurídico, na política, na academia, em todos os lugares. A gente não pode normalizar o mal”. Para ele ensinar é a melhor opção para combater o nazismo.
Quem sabe algum dia teremos uma humanidade melhor.