Numa manha de agosto de 1444, no pequeno vilarejo de Lagos, na região do Algarve, imponente em seu cavalo, o Infante Dom Henrique acompanhava o desembarque de 235 homens, mulheres e crianças, todos escravos, recém capturados em África, que seriam leiloados. A cena, que inaugura a monstruosidade da escravidão negra que serviu à Europa e às Américas durante séculos, descrita por Gomes Eanes de Azurara, “filho de padre, cronista real, cavaleiro da Ordem de Cristo, guarda-mor dos arquivos da Torre do Tombo e biógrafo de dom Henrique”, nos é lembrada pelo jornalista e historiador Laurentino Gomes em clássico “Escravidão – Volume I”.
Esse horror só começou a ser eliminado em 25 de março de 1807, quando o Parlamento da Inglaterra, depois de longos e tensos debates, declara ilegal o tráfico de escravos. Já em 1826, Dom Pedro I assinava um tratado antitráfico com a Inglaterra. Apesar da crescente pressão dos ingleses, das centenas de navios apreendidos e bombardeados, inclusive nos portos brasileiros, arrastamos a escravidão até seus estertores em 1888. Levamos ao limite nosso insulto à moral moderna e à ética civilizatória, ferindo de forma profunda o ainda enfermo éthos da Nação.
Assim como não enfrentamos, de forma correta e justa, as sequelas da escravidão, fugimos, mais uma vez, de um novo desafio da civilização: o meio ambiente! Diferente em tudo e por tudo da escravidão, a preservação e o uso adequado e inteligente da natureza tornou-se, como a liberdade e a dignidade, mais do que um valor, uma urgência universal. Assim como tivemos abolicionistas de escol – Joaquim Nabuco, Dragão do Mar e André Rebouças – tivemos e temos ambientalistas do mesmo naipe: José Bonifácio de Andrada, Rondon, Paulo Nogueira Neto, Fernando Gabeira, Rubens Ricupero e tantos outros nos quatro cantos do País.
Após mais um insulto ao clamor da civilização, o governo Bolsonaro foi emparedado pelos governos europeus e do Japão, o Congresso dos EUA e um grupo significativo de investidores internacionais. Diante da expansão criminosa do desmatamento da Amazônia que se ampliou de maneira significativa agora nos meses de pandemia, do comportamento deletério do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles e da omissão escandalosa do vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia, parte do ocidente reagiu sem meias palavras. Contra a escravidão, no passado, os canhões ingleses. Em defesa da Amazônia e das comunidades indígena, os mercados e as finanças.
Há poucos dias, embaixadas brasileiras em varias partes do mundo, receberam cartas de 30 instituições financeiras ameaçando tirar recursos do Brasil. Os presidentes do Itaú-Unibanco, Candido Bracher, e do Bradesco, Octávio de Lazari, habitualmente discretos e econômicos em manifestações públicas, evidenciaram suas preocupações e advertências.
Podíamos e devíamos ser diferentes!