O canal Star + está apresentando, em seis capítulos, o turismo macabro que o cadáver embalsamado de Evita Perón fez de 1951 a 1973, entre Argentina e Europa, ida e volta. Foram quase 24 anos de milhagem.
O cadáver de Evita, embalsamado com perfeição, foi disputado pelos militares que derrubaram Perón e pelos trabalhadores da CGT, ainda na Argentina.
Por fim, para não virar motivo de romarias dos descamisados, foi contrabandeado para a Itália e sepultado em Milão. Em 1971, seria devolvido a Perón, em Madrid, onde ele estava morando com a terceira esposa, Isabelita, como um gesto de aproximação entre o velho, o atual e o futuro regime.
Isabelita, que assumiria a presidência da Argentina em lugar do marido falecido em 1974, já tinha levado consigo para a Espanha, o seu mentor político e espiritual, José Lopez Rega, um radical de direita e feiticeiro acreditado na corte.
Já no sótão da casa madrilenha, El Brujo, como ficou conhecido, fazia das suas, em torno do esquife disputado.
Seu auge foi quando tentou salvar o governo de Isabelita, já às vésperas de um novo golpe militar, colocando-a deitada em cima do caixão de Evita para fazer “uma transfusão de espíritos”. Não deu certo, sabe-se.
El Brujo também tentou ressuscitar Perón quando este, na presidência, caiu morto. Ele dizia que Perón era um faraó egípcio reencarnado. “Levanta-te meu faraó”, ordenava sem êxito. Para sua sorte, Perón não virou múmia.
A chegada de Evita, como múmia perseguida, contrasta com sua viagem anterior, pouco antes de morrer. Considerada mulher do ano pela Revista Time, ela chegou à Espanha como mito popular, levando um navio com carne e trigo. Esta ajuda do peronismo salvou o ditador fascista Francisco Franco, que estava à deriva depois da segunda guerra mundial. Foram 40 anos de ditadura fascista, que começara com o inspirador grito de guerra: Viva la Muerte!
A série aproveita quase todo o livro do escritor Thomás Elói Martinez, Santa Evita (Cia. das Letras).
Martinez também escreveu sobre o assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves. Foi um dos mais brutais e frios feminicídios do País (O Voo da Rainha), ocorrido em 2002.
Por falar no Brasil, aqui também a política e a necrofilia têm encontros repugnantes.
Lembram-se das cabeças de Lampião e Maria Bonita preservadas em um museu até recentemente? Foi coisa deste século.
Os nossos Bonnie and Clyde, de jegue e escopetas, chegaram a combater a caravana de Luís Carlos Prestes, em pleno sertão.
Ficaram décadas expostos até que alguém achou não ser de bom tom exibir cabeças de executados sem julgamentos, num país que não tem pena de morte nem guilhotina.
Até no patíbulo, no século 18, perdia-se a cabeça depois de um julgamento, ainda que “pro forma”.
Este negócio de cortes cabeças era uma preferência do pessoal do Sul. Numa revolução, a de 1893, chamada federalista, o caudilho Gumercindo Saraiva teve sua cabeça decepada e transportada numa caixa. Foi entregue, em Porto Alegre, ao ditador Júlio Castilho para provar que ele fora morto.
Castilho se livrou logo da peça apodrecida. Ninguém sabe onde foi enterrada.
Os gaúchos anteciparam a obra de Sam Pekinpah, “Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia”, para antes da existência do cinema.
Nesta mesma refrega, o degolador Adão Latorre, nas cercanias de Bagé, somente durante um dia, “fez” a garganta de 200 adversários.
A expressão “Não se gasta pólvora com chimangos”, deve vir daí.
O enforcamento, com posterior esquartejamento do corpo, de Joaquim José da Silva Xavier, foi um espetáculo que simboliza a destruição da esperança do Brasil de se livrar de Portugal.
Tiradentes foi o mártir da Inconfidência Mineira. Desde então, os mineiros falam baixinho e por estranhas metáforas.
Devemos registrar ainda as sádicas sevícias variadas em cima dos escravizados durante 300 anos (leiam os três livros do Laurentino Gomes, por favor).
Era a diversão do pessoal que nunca trabalhou e tudo ganhou sobre os que sempre trabalharam e apanham até hoje.
Agora, temos a notícia de que o presidente quer se apossar do coração de D. Pedro I, que foi preservado (por quê?), para usá-lo como artefato da sua campanha eleitoral.
O órgão chegará de Portugal. É a única programação preparada para comemorar os 200 anos da Independência do Brasil. O outro ato, deve ser a tentativa de um autogolpe de opereta.
Há cem anos, as festas no Brasil foram mais intensas e variadas.
Em 1922, também houve a Semana de Arte Moderna, introduzindo o País numa nova era cultural. Macunaíma é o personagem símbolo do movimento conhecido como antropofágico, por saudar o hábito do canibalismo nacional.
100 anos depois vamos ver Macunaíma conduzindo uma marcha insensata de militares aposentados à beira mar? Afinal, foram quatro anos de ações destruidoras. 600 mil mortos na pandemia e mortes por ódio a bala todos os dias.
“Lamento, mas neste tocante o que eu sei fazer é matar”, disse certa vez o elemento desumano.
Luiz Lanzetta é jornalista