Neste domingo uma cena me causou espanto, enjoo e raiva ao mesmo tempo. Nas redes sociais circularam imagens de manifestantes, que, “em nome de Deus”, tentaram invadir um hospital no Recife para impedir que médicos realizassem um aborto, autorizado pela Justiça, em uma criança de 10 anos, grávida de cinco meses, fruto de estupros cometidos pelo próprio tio ao longo dos últimos quatro anos.
A história por si só já é suficientemente trágica — a menina foi estuprada em São Mateus, município no norte do Espírito Santo, e, mesmo com autorização judicial, um hospital capixaba se recusou a fazer o procedimento — para ser explorada de forma tão canalha. A dor da família nem por um minuto foi respeitada e o tribunal da internet não tardou a se manifestar julgando e condenando os envolvidos, sem sequer ouvi-los, apenas para defender seus pontos de vista e suas convicções políticas, sejam elas quais forem.
A exploração política do fato (o aborto) neste caso configura um mau-caratismo inominável. Nesse sentido até me questiono se a imprensa deveria ter divulgado a autorização judicial para o aborto, dando publicidade a uma questão exclusivamente familiar, afinal esse é um assunto que sempre gera muita polêmica.
O pior de tudo foi a atitude criminosa da líder bolsonarista Sara Winter de divulgar, pelo Twitter, o nome da criança e o endereço do hospital onde seria realizada a cirurgia, incitando ativistas a irem ao local tentar impedir o aborto. Uma demonstração de extremo mau-caratismo e irresponsabilidade. Não existe justificativa para esse tipo de atitude.
Presa em junho por determinação do ministro Alexandre de Moraes, por ataques contra o Supremo Tribunal Federal, e solta alguns dias depois, Sara Winter não deve ter se intimidado, pois continua a agir de forma nefasta pelas redes sociais. Chamada de ativista por uns e de terrorista por outros, o fato é que a “neocristã” foi uma das fundadoras da variante brasileira do grupo Femen e, até pouco tempo, defendia pautas liberais como a legalização do aborto no Brasil.
Segundo consta, Sara teria sido expulsa do movimento por desvio de verbas e autopromoção. Ela rebate se dizendo traída pelas feministas e arrependida de suas posições anteriores.
Mas Sara Winter é apenas um dos elos dessa corrente de intolerância e oportunismo político que vem se fortalecendo no Brasil nos últimos anos. Para mim, estamos caminhando rumo à barbárie. Lamentável!