Previdência: vinagre não é vinho

Dilma. Foto Orlando Brito

O caso do vinho me veio à mente quando vi a enxurrada de posts em mídias sociais nesta semana trazendo reportagens do ano passado em que a então presidenta Dilma Rousseff defendia uma reforma da Previdência Social. A tentativa dos remetentes, assim como a da maioria dos colunistas de política e de economia que trataram dos protestos do dia 15 de março, era de apontar uma suposta contradição entre quem antes defendia a necessidade de uma reforma e agora a rejeita. Seriam os críticos da reforma, portanto, um rebanho de ingênuos, hipócritas ou irresponsáveis fiscais.

Voltando ao vinho, contou-me um amigo que estava em uma festa quando chegou um solícito colega devorando em goles a bebida, enquanto a outra mão lhe oferecia uma taça rubra. Ele tinha visto a rolha inchada se esfarelar, na hora em que o amigo abria a garrafa de rótulo desbotado de sol. Mas antes de poder alertar o amigo para o risco do vinagre a caminho, o viu beber sem queixa, feliz da vida, e não seria o metido a estragar a festa dos outros. Recusou delicadamente a bebida e ouviu do amigo surpreso a dedução: –“Ué, eu não sabia que você tinha parado de beber vinho…”.

Com certeza, os jornalistas que ouvi esta semana, e os defensores da proposta do governo, sabem que no mundo há muitos tipos de vinho. Nesse campo, tudo é uma questão de gosto. E, da mesma forma, sabem também que há no universo outras possibilidades de reforma da Previdência Social, diferentes dessa proposta específica que o atual governo tenta aprovar à fórceps no Congresso.  E, nesse caso, não é questão de gosto, mas de sobrevivência e de justiça social.

É possível, sim – aliás, é bem provável– que muitos dos que são contra a atual proposta de reforma da Previdência defendam uma reforma da Previdência, mas sobre outras bases, diferentes das que estão aí. Em uma das uma das entrevistas de Dilma de janeiro de 2016 usadas nesta semana pelos defensores da proposta do atual governo, por exemplo, consta: “Ela ponderou, porém, que não se pode afetar direitos adquiridos no passado e a expectativa dos que já estão no mercado de trabalho, e que pretende discutir com a sociedade o assunto”.

A proposta que ela viesse a defender, portanto, provavelmente não trataria da forma como estão tratando a expectativa de direito dos que já estão perto da aposentadoria. Ou, se viesse a penalizá-los, após a discussão com a sociedade, provavelmente não o faria no grau nem na extensão do que está sendo feito. Mas isso só saberíamos se houvesse um diálogo sobre a questão com a sociedade, algo do qual estamos muito distantes.

Se quiserem que bebamos deste cálice, é preciso trocar a garrafa. Não precisa ser nenhum gran cru, pode ser um razoável custo-benefício; metade pode até ser diluída em suco e transformada em um ponche palatável, mais ao gosto médio dos convivas, pois, ao fim e ao cabo, eles é que pagarão o ingresso dessa festa.

 

*José Ramos é jornalista, especialista em comunicação em ambientes sensíveis, com formação em marketing. Foi repórter de economia e política por 18 anos em Brasília; secretário de imprensa da Presidência da República e assessor nos ministérios da Defesa e de Minas e Energia (entre 2005 e 2014); e assessor na UHE Belo Monte. O texto acima é uma colaboração para Os Divergentes.

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