Gringo pode? Negro é crime? Xenofobia e racismo são análogos, segundo a Lei 7716/89, com pena de 1 a 3 anos de reclusão. Índio Ramirez injuriou Gerson de “negro”, e o flamenguista desqualificou o colombiano de “gringo”. Caso gravíssimo. O País parou.
Duas estrelas do futebol mundial podem se enviar reciprocamente para trás das grades. Bobagem: Bahia, o dono do “gringo”, chamou o jogador de volta para a equipe. O astro rubro-negro está sendo alvo de chacotas de vascaínos e tricolores, rivais de arquibancada, pelo “fricote”, para não usar as palavras comum das arquibancadas para ”elogiar” rivais, mas hoje banidas pela legislação penal. A repressão identitária entrou rasgando no futebol, o último reduto da galhofa, agora atingida pelo politicamente correta. Resta saber que lei vai proteger a mãe do juiz?
Como tudo no Brasil, a moda extrapola. As movimentações e mobilizações antirracistas em arquibancadas dos estádios contra africanos, muçulmanos e pretos latinos sul-americanos, na Europa, especialmente nos países eslavos, chegaram ao solo tupiniquim no mesmo formato que outros clichês norte-americanos, que substituíram, nas lutas das esquerdas nacionais, as antigas lutas de classes, desigualdades sociais e neoliberalismo nas economias. Igualdade e desigualdades têm cor? Dizem que sim.
Muito mais espetacular foram os fatos de Caldas Novas, em Goiás. Um choro lamuriento do menino Luís Eduardo depois de um jogo, registrado oportunamente por um arguto celular, foi parar nas manchetes dos telejornais e, em poucas horas, mobilizou alguns dos maiores astros do futebol mundial, em Paris e Londres, nada menos do que os superstares Neymar Jr. e Gabriel Jesus.
Domingo passado, jogavam dois times, Instituto SET contra Uberlândia Academy, disputando o campeonato sub-11 denominado Caldas Cup, entre times infantis daqueles interiores de Minas e Goiás, levado a efeito entre 13 e 19 de dezembro. Uberlândia vencia por 3 x 1, quando o técnico derrotado teria, da lateral, dado uma ordem ao atletinha marcador de Luís Eduardo, quie diz ter ouvido como “fecha o preto aí ô” (a expressão “preto” está capitulada na Lei 7716 no elenco de injúrias?). A repercussão foi imediata, com denúncias, ampla cobertura da mídia internacional e uma oferta de contrato para o garoto mineiro no Santos FC, de São Paulo.
O acusado, professor de educação física Lázaro Caiana de Oliveira, técnico do SET, nega ter dado tal ordem a seu jogador e se defende contra-atacando o presidente do Uberlândia, Adriano dos Santos, vulgo Adriano Futsal, que o chamou de “negro safado” (esta ofensa consta nas restrições daquela legislação), mas não registrou queixa, embora tenha apresentado testemunhas que escutaram o xingamento em viva voz do treinador mineiro. Desvantagem para acusação que só tem o choro da criança como prova. Grande confusão.
Modelo dos holligans
As manifestações racistas na Europa são de natureza odiosa, pretendendo desmontar indivíduos, ou seja, desestabilizar jogadores em campo. Isto nada têm a ver com as lutas do Black Lives Matter dos Estados Unidos, que são conflitos políticos. O modelo europeu foi o que se viu no estádio do Grêmio, em Porto Alegre, envolvendo o goleiro do Santos, Aranha (o apelido não se deve à cor de sua pele, mas em comparação ao Aranha Negra, da seleção soviética, Lev Yashin, considerado o maior goleiro de todos os tempos), por torcedores negros tricolores que tiraram o guarda-vala adversário do sério imitando os trejeitos simiescos dos holligans. Aranha perdeu no rebolado. Algo muito diferente do empurra-empurra do Maracanã.
O caso de Gerson vem criando algumas reações, como a irada manifestação do cantor e político Agnaldo Timóteo, que viralizou nas redes, criticando a sensibilidade do jogador carioca e desautorizando sua arguição de racismo pelo colombiano (que, por sua vez, também é integrante de uma minoria, pois é indígena). Entretanto, a questão da terminologia futebolística já ultrapassou as arquibancadas, chegou aos gramados. Espaço livre para todo o tipo de insulto no passado, onde se descarregavam ódios e frustrações, a arquibancada já está sob vigilância. Agora entrará no vocabulário do chega-pra-lá. Qual será a linguagem de uma espera do corner?
O VAR orofacial
O politicamente correto veio para ficar. Primeiro na Arena do Grêmio, agora no Maracanã. Também pelo caso de Águas Claras vê-se que já chegou aos campos de pelada. É o novo futebol.
Já se foi o tempo do esporte bretão viril: cuspe, ofensa à genitora, às irmãs e a qualquer especificidade física, tais como formato das pernas, braços, cabeça (“te rebento”, “boca-aberta”) e, naturalmente, pele (foguinho, negão, sarará etc. etc. – fica por aqui para não lembrar frases homofóbicas). Com bola de meia no pé, a criançada aprendia a vencer seu antagonista com força física, habilidade e muito palavrão. Era assim o futebol.
Agora, pouco a pouco, essa característica vai sendo deixada para trás. Os programas de tevê, com suas lindas comentaristas, não dizem o que é a baixaria dentro das quatro linhas. Na realidade, o pau continua comendo, inclusive no nascente futebol feminino, pois as gurias já aprenderem a abrir o açougue e volta-e-meia estoura uma perna num carrinho descalibrado.
Quanta coisa grosseria se perde: O VAR derrubou o juiz ladrão e a leitura labial deverá ser o novo equipamento das arbitragens. Emprego para instrutores da linguagem orofacial. Como será a mímica do árbitro para chamar o leitor de lábios no meio de uma contenda? Tapetão identitário.