Dias atrás um bolsonarista postou num grupo de WhatsApp uma foto do doutor Drauzio Varella com olheiras de defunto, boca de palhaço e uma placa pendurada no peito, onde se lia: “Eu sou um hipócrita”. Acima de sua cabeça havia ainda um balão de diálogo com essa fala: “O Covid voltou a ser uma gripezinha, venha ser um mesário voluntário, eu e o TSE declaramos os candidatos imunes”. Como os fanáticos governistas têm um arsenal de mensagens prontas, preparadas por gente bem paga que não tem mais o que fazer, é claro que essa montagem de mau gosto veio junto com outras mensagens, do tipo que a pastora Flordelis devia compartilhar diariamente, sempre acompanhadas do slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Sempre Deus, coitado!
Não me contive e comentei: “Ou os bolsonaristas têm dificuldade cognitiva ou é má fé mesmo. O doutor Drauzio fala claramente dos cuidados que a justiça eleitoral terá com quem se dispuser a ser mesário. Diz inclusive que pessoas que fazem parte do grupo de risco não podem se voluntariar. Ele não minimiza a Covid em momento algum da propaganda”. O cantor e compositor Roberto Homem, também participante desse grupo de WhatsApp , do qual ainda não saí porque a imensa maioria mantém o nível e o bom senso nas postagens, também comentou: “A que ponto o fanatismo chega… Esculhambar um médico como Drauzio Varella, classificá-lo como hipócrita, para defender um ser abjeto como Bolsonaro.
Como se o doutor tivesse sido eleito fazendo juras de amor à lava-jato, defendendo o combate à corrupção, prometendo não se candidatar à reeleição, esculhambando os políticos do centrão, garantindo que não cederia cargos no seu governo a políticos, etc etc… Quem será o verdadeiro hipócrita? Deus perdoe essa gente”.
O doutor Drauzio tem sofrido insistentes campanhas difamatórias desde que demonstrou atenção e afeto por uma transexual numa entrevista exibida no Fantástico. Ele não sabia do crime bárbaro que ela havia cometido, como nunca soube dos crimes cometidos por todos os detentos que atendeu e acolheu durante seu trabalho no Carandiru. Visivelmente abalado, doutor Drauzio fez questão de se desculpar publicamente perante a família da vítima da detenta transexual que entrevistou e fez questão de explicar o tipo de trabalho que fazia nos presídios, lugar onde se imagina que existam também filhos de Deus.
As pessoas autointituladas “de bem” costumam fazer passeatas pela vida, contra a descriminalização do aborto. Esse tipo de gente chegou a chamar uma criança de 10 anos de assassina por ter interrompido uma gravidez, com autorização judicial, após ter sido abusada pelo próprio tio durante dois anos. Fico imaginando se essa menina não tivesse abortado, se seu filho tivesse nascido e aos 14 anos cometesse um crime; provavelmente essas mesmas “pessoas de bem” fariam passeatas pela redução da maioridade penal ou pela pena de morte, dependendo do crime. Gritariam aos quatro cantos que bandido bom é bandido morto e fariam campanha para que os detentos amargassem as piores experiências na cadeia.
Para os “cidadãos de bem” só a vida deles e a dos fetos tem valor. Drauzio Varella, chamado de hipócrita, há vários anos visita o circo de horrores que é o sistema prisional brasileiro e trata os detentos como seres humanos, vendo neles um traço de Deus. De quem Jesus gostaria mais?
No dia 30 de janeiro, doutor Drauzio divulgou um vídeo em suas redes sociais, dizendo que não havia motivos para pânico em relação ao novo vírus e que continuaria andando normalmente nas ruas. Nessa época não havia nenhum caso da doença no Brasil, que registrou o primeiro caso no final de fevereiro. Ele errou ao minimizar os efeitos do coronavírus. Em vídeo posterior reconheceu que estava enganado ao supor que o vírus não atingiria tão gravemente o nosso país e passou, desde então, a fazer campanha a favor do isolamento social e de medidas de higiene como forma de conter o avanço da doença.
Médico cancerologista, doutor Drauzio escreve na Folha de S. Paulo aos domingos a cada duas semanas sobre prevenção de doenças e volta e meia aparece na televisão explicando, com linguagem simples e acessível, como prevenir e tratar diversas enfermidades.
Provavelmente por ser um profissional reconhecido e respeitado, por quem as pessoas comuns sentem grande empatia, a justiça eleitoral o convidou para fazer propaganda chamando voluntários a se candidatarem a mesários nas eleições. Quem já assistiu, e não tem dificuldade cognitiva nem age com má fé, entendeu que ele não minimiza os riscos da Covid, pelo contrário, doutor Drauzio destaca que serão tomados todos os cuidados para evitar os riscos de contágio.
No final das contas, quem são mesmo os hipócritas?