De vez em sempre, uma expressão ou conceito começa a ser repetido até cansar e toma conta do noticiário político. Há inúmeros exemplos. Fiquemos com um recente (não, não é a “narrativa”): a criminalização da política.
Foi a expressão mais usada – não contei, mas deve ter sido – e que pairou sobre o processo, sobretudo a sabatina, de recondução de Augusto Aras como Procurador-Geral da República, numa ampla aliança. Com PP, MDB e PT, juntinhos, à frente. “A criminalização da política”, era disso que tanto falavam. Engraçado, só fala isso quem tem o rabo preso. Claro que pode haver injustiça em qualquer processo; erros e exageros não são inusuais. Mas até pra isso há remédio.
Mas trata-se aqui de pessoas com mandato que cometem crimes, recebem propina, desviam dinheiro público, são flagrados e investigados. E é a Polícia e o Ministério Público que criminalizam a política??? Augusto Aras se gabou de ter “descriminalizado a política” e é agora o que cobram ao candidato à vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça. Não é surpreendente, mas sempre choca, ver o PT na linha de frente desta postura.
Voltemos: quem criminaliza a política? Por que políticos se sentem criminalizados e por que as pessoas – aquilo que se convencionou chamar de opinião pública – veem a política desta maneira? O que, aliás, é péssimo para a democracia.
Será que se o Congresso brasileiro não fosse o mais caro do mundo, se não existisse a cota parlamentar com tantos penduricalhos, se os parlamentares não ficassem com parte do salário de seus funcionários, se não negociassem emendas e apoios… para ficar apenas em alguns temas, será que políticos seriam criminalizados?
E por que as casas legislativas não reagem, não fazem regras para impedir esses absurdos? Longe de mim querer dizer que, se forem pegos, os políticos sabem que podem contar com uma justiça benevolente. O mais provável é que o crime compensa. Que o eleitor esquece e vota de novo no mesmo. Que entre eles existe um espírito de corpo fortíssimo que, além de impedir mudanças, barra a punição aos colegas.
De rachadinha em rachadinha
Ainda no final do passado, uma matéria na Folha de S. Paulo mostrava que investigações sobre rachadinhas (entre outras fraudes) no Legislativo em suas diversas esferas iam de norte a sul do país. Incluindo o atual presidente da Câmara, Arthur Lira, quando era deputado estadual em Alagoas. E, adivinha? Acabou sendo absolvido pelo Tribunal de Justiça alagoano.
Na chefia de outro poder, o Executivo, um outro personagem acusado de promover rachadinhas ao longo dos seus quase 30 anos de mandato na Câmara dos Deputados. Jair Bolsonaro não só aprendeu, como ensinou a todos os filhos, igualmente com mandatos políticos, igualmente investigados por rachadinhas, igualmente reclamando da criminalização da política.
A rachadinha é invariavelmente acompanhada da existência de funcionários fantasmas. Se eles não recebem, por que trabalhariam? E será que não é possível às casas legislativas estabelecerem mecanismos para evitar que isto exista? O que se viu nas – poucas – investigações sobre este tipo de fraude no Rio de Janeiro foi o anacronismo nas relações de trabalho e, sobretudo, nas ferramentas de controle e acompanhamento do que acontece na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa.
Tão estarrecedora quanto pouco repercutida, foi uma matéria da revista Veja de novembro de 2020 mostrando que funcionários suspeitos de participar de rachadinhas no gabinete de Carlos Bolsonaro (ô família!) recebiam gratificações que chegavam, em alguns casos, a 80% da renda mensal de cada um.
A distribuição dos “extras” passou de 3 milhões de reais!!!! E a Câmara não viu nada? Será que ele é o único a utilizar deste, digamos, mecanismo? É coincidência que a “madrasta” Ana Cristina Valle (hoje envolvida em lobby e morando numa bela mansão) esteja entre eles e tenha embolsado mais de 120 mil reais em bônus, além do salário de 18 mil reais?
Muitas perguntas, sem dúvida. E ficarão sem respostas. Quem sabe as futuras gerações as tenham. Enquanto isso, os políticos vão reclamar dos que os investigam e aprovar os que os absolvem. Quem perde é a Política.
E só mais uma: será que políticos de outros países – os democráticos, por favor – também reclamam de que sua atividade está sendo criminalizada?