Sobreviver é conhecer. Viver e acumular sobrevivências. É a base possível do autoconhecimento, sempre parcial, social plasmado no indivíduo, limitado e armadilhoso, radicalizado pela libertação possível da análise, se moderada e não religiosa. Eu me sujeitei a ela, durante 29 anos – freudiana e lacaniana, e sinto que colho dividendos até hoje. Foi a forma de compreender, controlar e “substituir” culpas, medos e sofrimentos impostos pelos ritos religiosos familiares (presbiteriano e católico). Sinto ter parado, há década e meia, de tentar compreender e salvar o mundo. Um sintoma de uma patologia sem saídas fáceis, mormente quando o refúgio no eterno não me interessa. O Deus que observo no meu meio é entediante, hipócrita, doentio.
Mas há muitos Deuses, inclusive aqueles reverenciados nos oráculos dos grandes teóricos. Foi importante me desfazer de todas as indumentárias conceituais totalizadoras. O real é infinitamente maior que Marx e Freud, entre tantos Deuses modernos. O baixo clero os cristalizou ao ponto de nos recolocar no horizonte das grandes ilusões.
A prática de “segundas religiosidades”, freudismo e marxismo (no meu caso) acabaram tornando-se também mecanismos de dependência e redução sociológica e existencial. Efeitos perversos presentes em tudo que se faz com convicção profunda e inabalável. Desconfio de todas aquelas “éticas” movidas por paixão e certezas. Cartéis de lacanianos e trotskistas me lembram rituais em nome de novos sagrados com seus sacrifícios.
Desde os anos cinquenta venho vivendo tranquilo com meus deuses e demônios administráveis nos momentos eternos no cotidiano. O café. O bom dia. O ovo frito. O programa de TV. A mulher e as crias. As esquisitices no meu zoológico de amigos. O conceito que não fecha, ou que se contorce no mundo concreto. Tudo me passa como cenas de um filme no qual a vida revela a grandeza do banal. O resto? Uma gandaia generalizada de prostitutas e seus rufiões que não mais me interessam.
Estou quase livre, já sentindo o frescor da liberdade do ser capaz de conviver com a profunda solidão quase solitária.
– Edmundo Lima de Arruda Jr