A democracia “é o governo do público em público”, como definiu o pensador italiano Norberto Bobbio, ao afirmar que a opacidade do poder é a sua negação. Ou seja: os atos dos governantes devem ter a mais completa visibilidade perante os representados. Ele diz que é nos porões do Estado invisível que se tramam os conluios inconfessáveis, a apropriação do público pelo privado, e todas as formas de comportamentos desviantes que acabam por debilitar as instituições nacionais.
Por isso, agora nos enchemos da esperança de que podemos estar iniciando uma caminhada rumo à plenitude democrática. Este sentimento se acendeu quando, na noite do último sábado (2), ouvimos o discurso de posse do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM/AP). Com muita ênfase ele declarou que, se depender do seu comando, aquela sessão do Senado, em que se deu sua eleição, terá sido a derradeira do “segredismo” e “do conforto enganoso do voto secreto”.
De forma incisiva, arrematou: “Não devemos temer as críticas das ruas, mas, sim, ouvi-las com atenção, e recolhê-las com acato e humildade”. Isso significa conectar o mundo oficial com a sociedade. O que se tem visto é um fosso, um divórcio quase litigioso entre os políticos e o povo. Aproximar o eleitor do eleito é uma tarefa que não compete apenas ao Senado. Certamente, será conduzida a quatro mãos pelo senador Alcolumbre e pelo deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), que se reelegeu presidente da Câmara dos Deputados, para a felicidade da imensa maioria dos brasileiros, entre os quais me incluo.
A eliminação das votações secretas nos respectivos regimentos das duas casas do Congresso Nacional certamente não se dará no curtíssimo prazo. Mas, em se tratando de pautas que levem à efetiva implantação da democracia no país, é preciso que imediatamente se dê o primeiro passo da reforma política. Estamos falando da instituição do voto distrital misto já para as eleições municipais de 2020, nas 92 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores.
O projeto do voto distrital foi aprovado no Senado e remetido à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal. A bola está, portanto, no campo do deputado Rodrigo Maia, correligionário do senador Davi Alcolumbre – ambos, aliás, muito bem relacionados com todos os escalões do Palácio do Planalto. Sabemos que há no Congresso uma pauta que é a prioridade das prioridades: a reforma da Previdência. Sem prejuízo desta mais absoluta primazia, outros temas devem ser paralelamente tratados com a máxima brevidade, como a do voto distrital misto, até porque a matéria aí citada não é assim tão complexa.
Uma coisa é certa. Se o Parlamento continuar ocultando suas intenções no “segredismo”, temendo as críticas do Brasil real, nas próximas eleições uma considerável parte dos que hoje ocupam as cadeiras do Senado e da Câmara será destituída pelas ruas, como ocorreu nas eleições de 2018. Mas, diante da recondução de Rodrigo Maia e do discurso do senador Alcolumbre é de se confiar que o país celebrará a conquista de uma democracia de verdade, que, como escreveu Norberto Bobbio, somente pode ser assim chamada se de fato for o regime do poder visível.
*Paulo Solmucci é colaborador do site Os Divergentes. Também é presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e diretor da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs)