Reserva de mercado é indecência
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, defendeu a aprovação de uma regra, pelo Congresso, que torne membros da magistratura e do Ministério Público inelegíveis por oito anos após deixar o cargo. Trocando em miúdos, se um juiz ou um procurador quiser concorrer a um cargo eletivo deverá renunciar às suas carreiras e esperar oito anos para participar de uma eleição. A intenção é óbvia, embora todos digam que não. Querem tirar Sérgio Moro do páreo, e, de quebra, os procuradores que se destacaram pela atuação na Lava Jato.
Deixo claro que não morro de amores por Moro, Dallagnol e companhia, tampouco tenho qualquer relação familiar ou de amizade com juízes e procuradores. É impossível não reconhecer que houve excessos em vários processos da Lava Jato, com performances claramente midiáticas, mas nada justifica a criação de uma regra como essa. Toffoli alegou que a quarentena para juízes e procuradores evitaria “demagogia” no cargo.
Disse textualmente: “Assim se evitaria a utilização da magistratura e do poder imparcial do juiz para fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e depois se fazer candidato”. Se continuarmos por essa linha de pensamento, haveria de se criar regra semelhante para celebridades, jornalistas, apresentadores, sindicalistas, professores, médicos, policiais e outros tantos profissionais que se destacam, “aparecendo para a opinião pública”, muitas vezes com intenção demagógica, e acabam concorrendo a cargos eletivos.
O que dizer, então, de vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, ministros, prefeitos, governadores e presidente da República, que fazem demagogia a torto e a direito, procurando agradar eleitores, utilizando muitas vezes verbas públicas para a divulgação de atos populistas? Não seria o caso também de essa regra atingir a todos eles? Por que não criar uma regra que exija o interregno de uma legislatura para que um parlamentar possa voltar a concorrer? E regra semelhante para cargos executivos.
Porém, além de não haver regras restringindo a reeleição, é possível que um parlamentar concorra a cargos eletivos quantas vezes quiser, tornando-se político profissional. É inegável que um deputado ou senador ou governador ou presidente em exercício do cargo tenha muito mais chances de se eleger do que um outro candidato que não tem verbas, gabinetes e a máquina pública na mão.
Acho muito mais danoso à nossa democracia a reeleição para cargos executivos e legislativos do que a eleição de um membro da magistratura ou do Ministério Público que tenha se destacado pelo trabalho desenvolvido. Concordo que haja uma quarentena, mas bem menor do que essa que está sendo proposta, seis meses ou um ano creio que seja suficiente. Essa regra proposta por Toffoli, e aparentemente acatada pelo Legislativo, cheira mais a puxão de orelhas em Moro e procuradores lavajatistas, e funciona como uma baita reserva de mercado, pois, se isso passar, os políticos atuais terão muito menos concorrentes de peso para as próximas eleições. E, como não há regras ou limites para eles, poderão continuar a se perpetuar no poder.
Claudia Abreu Marins é jornalista