Nasci em Belzonte mas fui criada por esse interior afora, tanto nas Minas (Diamantina) quanto no comecinho das Gerais (Santa Luzia do Rio das Velhas, região de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado). Sei que mineiro dá um boi para não entrar em briga e uma boiada para não sair dela.
Mineiro não opina: desconfia.
Por isso, ando desconfiada, desde que no espaço de dois dias, dois Manifestos opostos foram divulgados amplamente: um deles assinado pelo Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) e o outro assinado como cidadãos (e não “representantes” de qualquer entidade) por expressivos nomes do empresariado mineiro. O primeiro, alinhado à loucura de que foi tomado o Senhor Presidente da República em sua cruzada, agora endereçada a dois ilustres membros do Supremo Tribunal Federal, Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O outro, fazendo somar à insígnia de LIBERTAS também sua consequência maior nos moldes da sociedade onde vivemos: a democracia, representada pelo voto popular mas igualmente pela independência e harmonia entre os Três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Talvez eu possa bem acrescentar que neste último Manifesto estão ainda contidas o que o alto-falante fez ressoar pelas ruas da distante Santa Cruz do Capiberibe, em Pernambuco, ironicamente convidando o povo sofrido daquele município nordestino a comemorar “os feitos do governo que aí está. Gasolina? R$ 7. Gás de cozinha? R$ 100. 580 mil mortos por covid, a maioria por falta de vacina. Calma, tem mais. Mansão de R$ 6 milhões de F….B…., filho do Presidente. Falta de vacinação e corrupção na compra da vacina. Aumento da fome e da miséria. Fila do osso, famílias pedindo gordura de boi nos açougues para não morrer de fome…”
Eu escrevi “talvez” nos acréscimos que fiz porque, como dona-de-casa mineira, vivo angustiada com o que vejo a minha volta: verdadeiros farrapos humanos dormindo nas calçadas (aqui, infelizmente, sempre houve “morador de rua” – mas nunca vi na proporção de agora). Ouço o grito desesperador dos que procuram emprego, sem perspectiva de encontrar; a agonia das mães de família cercadas de filhos amontoados todos em barracos pendurados nos morros, gente que se espreme nos poucos meios de transporte público e a ladainha dos que deveriam estar procurando solução para tais problemas, o de cima zoando nossos ouvidos com a desculpa esfarrapada de que o Supremo o impede de tomar providências para que todos pudessem enfrentar a pandemia com um pouco de dignidade e os governadores e prefeitos premidos por um sistema tributário que distribui recursos em maior monta para a União e delega aos entes federados o cumprimento da maior parte das obrigações sociais.
Não sei não, mas auguro que algo novo nasça do apelo dos que assinaram o Segundo Manifesto dos Mineiros: o primeiro Manifesto, aquele endereçado em 1943 ao fim da ditadura de Vargas, o de agora esperando – quem sabe? – que pelo menos o juízo leve o atual candidato a ditador a sentir a dor do povo e a parar de nos ameaçar a todos com “seu” Exército, “suas” motociatas, “sua falta de ter-o-que-fazer” em lugar de não-governar um país sem rumo rumando para o fim dos tempos…
Eu espero. Eu tenho esperança e fé nos brasileiros!