Nestes 200 anos da nossa independência, é forçoso reestudarmos a nossa história para tentar entender porque conseguimos sair de 300 anos de colônia de Portugal, nos tornarmos um Império Parlamentarista e nos últimos 130 anos numa República.
Hoje já somos uma das nações emergentes pela terceira maior produtora de alimentos. Nossa população disparou de 15 milhões no tempo do Império para chegarmos hoje perto dos 215 milhões. Não basta olharmos apenas pelo retrovisor, eis que existe a expectativa de que, já na próxima década, possamos ser o líder dos produtores de alimentos do mundo e se tivermos mão de obra capacitada para industrializar esta fantástica produção de alimentos, em poucas décadas também iremos disputar a liderança das nações mais desenvolvidas do planeta.
Mas nos falta educação.
Países que dependem da importação de alimentos conseguiram com boa educação possuir renda per capita muito superior à nossa. Este é o contraste que a história real nos mostra: termos uma população que cresce, uma produção que aumenta, mas uma educação que regride.
Sobre o crescimento populacional, basta consultar o IBGE, que projeta chegarmos em 2040 com 250 milhões de habitantes.
Aparentemente somos uma democracia. Mas esta aparência pode ser enganosa, pois quando vamos aos números dos 13 milhões de analfabetos, dos 45% das residências sem água tratada, dos milhões de desempregados, aos milhares de habitantes de ruas, do crescente aumento de dependentes químicos, ou do espantoso crescimento do crime organizado, pelas milícias e tráfego de drogas (ultimamente verdadeiros ataques terroristas como ocorridos em Guarapuava, no Paraná, e Criciúma, em Santa Catarina, e Atibaia, em São Paulo), somos obrigados a concluir tristemente que a nossa realidade social não é democrática e não corresponde aos anseios do Hino Nacional que afirma: “Brasil, um sonho intenso, um raio vivido, de amor e de esperança à terra desce”.
Num país realmente democrático, os poderes são harmônicos entre si, mas aqui, no dia 20, o Judiciário condena, no dia seguinte (triste coincidência com o dia do mártir da independência) o Executivo indulta e na semana anterior o Legislativo anistiou os partidos (parlamentares) das multas que deviam pagar pelo uso indevido do imoral Fundo Eleitoral.
Foi a genialidade de Ruy Barbosa, que em sucinta meia dúzia de decretos, ainda no governo provisório da Republica, soube separar a igreja do Estado e destravar a economia.
Mas o Velho Ruy, não cansava de alertar:
“Vivemos habituados, os políticos dessa terra, a supor que o Brasil se resume ao círculo estreito onde nos movemos. São efeitos de um costume vicioso. Seria mister começarmos a contar com a opinião pública, o povo, a vontade nacional. Déssemos nós o rebate de uma campanha que teria o intuito de manter no país o direito de eleger o chefe do Estado e, ainda que todos os governadores se achassem contra nós, uma candidatura verdadeiramente popular, verdadeiramente nacional, a candidatura de um homem sério, digno e benquisto, reunindo nos estados todos os elementos dissidentes e no país todos os homens de opinião, havia de se impor e prevalecer” (HISTÓRIA DA RIQUEZA NO BRASIL – Jorge Caldeira – 2017, pag.479).
Para Gianfranco Pasquino, “a partitocracia é acusada de querer deter a necessidade de mudança, de querer canalizar tudo para o leito da politica institucional dos partidos, de não deixar espaço para a sociedade civil para as verdadeiras aspirações das massas. Os ataques à Partitocracia são também ataques à politica dos “profissionais” de uma nova classe que se recruta e mantém por si mesma, que vive da política e não para a política (como Weber tinha profeticamente advertido). (Dicionário da Politica Brasileira – Bobbio, Universidade de Brasília 1998, pag.905/908)
Estamos vendo e assistindo, nestes preparativos de mais uma campanha eleitoral, como se comporta a classe política. Não há como negar o solene vaticínio de RUY BARBOSA de que o “PRESIDENCIALISMO DE COALISÃO TRANSFORMA O CONGRESSO NUMA PRAÇA DE NEGÓCIOS”, e não é mera coincidência, mas triste realidade dos políticos ignorarem os interesses públicos e sociais, para ocuparem-se prioritária e exclusivamente na disputa do poder.
“Os representantes do povo, salvo honrosas exceções, consideram irrelevantes os interesses dos representados que, a despeito desse descaso, os recolocam no poder por absoluta indiferença, como regra, à atuação dos eleitos” (Djalma Pinto, publicado por José Herval Sampaio Júnior no JUSBRASIL)
Temos 35 partidos (outras dezenas aguardam registro) pelos quais os políticos se transformam em figuras caricatas, pelas mudanças repentinas e inexplicáveis sob qualquer ponto de vista ético e ideológico. Não existe fidelidade e muito menos coerência partidária. São vira-casacas que se acomodam com nebulosos ajustes, alianças espúrias e jogadas maquiavélicas para chegarem ou para não largarem mão do poder.
É o poder pelo poder.
“Olhando para o impacto nas políticas públicas, podemos perceber alguns fatos recorrentes. Pelo interesse na reeleição ou na manutenção de sua carreira política, muitas vezes os problemas deixam de ser tratados pelo governante com a profundidade necessária e com a visão de longo prazo recomendada. Não raramente, as ações estruturantes acabam ficando de fora do debate. Afinal, para estes aos quais interessa somente o poder, melhor é um discurso bonito, ainda que superficial, do que “mexer na ferida”, o que é muitas vezes necessário para se fazer as verdadeiras transformações. A descontinuidade de projetos é outro exemplo muito comum. No momento da transição de um governo para o outro, pela necessidade de “se deixar a marca” própria de cada gestão, aquilo que foi construído pelo antecessor é, em geral, descartado.” (13/04/2020, artigo de Clara Costa).
Durante a discussão na Constituinte Parlamentar de 88, vi como funciona este mecanismo do poder político no Brasil. Na Comissão temática do sistema de governo foi aprovado por ampla maioria o parlamentarismo. O sistema (stablishment) entrou em ação para que quando chegasse no plenário com a “negociação do centrão” optasse pelo PLESBICITO sobre o sistema de governo.
Manifestei-me contrário porquanto já era público e notório que a maioria absoluta dos então governadores eram pretensos candidatos a presidente e tudo fariam, como de fato o fizeram, usando descaradamente a máquina oficial, para vencer o plesbicito. Meu protesto ficou registrado nos anais do congresso. Para minha surpresa , recentemente vi entrevista do próprio Sarney defendendo o parlamentarismo, porquanto já na época teria dito:
“Constituição de 1988 tornou o país ingovernável” foi afirmação feita pelo senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), na entrevista dada para a jornalista Teresa Cardoso, da Agência Senado. Disse ainda o ex-presidente: “Creio que o que foi feito é mais grave. Foram incluídos na Constituição todas as reivindicações corporativas, tornando o país ingovernável, com um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sistema eleitoral é ainda o do voto uninominal proporcional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de governo mistura a competência dos Poderes. O mecanismo da Medida Provisória tornou-se o principal meio de legislar”. (Consultor Jurídico em 14 de setembro de 2008)
Já tivemos mais de mil e cem Medidas Provisórias, o que vale dizer, em média 10 MPs para cada uma das 121 Emendas Constitucionais. Nossas leis são provisórias, mas os impostos são permanentes e crescentes. Não existem meios da sociedade civil participar e defender-se da ditadura dos partidos políticos.
Apenas uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA com brasileiros ficha limpa e que não tenham o rabo preso com ninguém, nem com os atuais partidos, ideologias extremistas, cargos públicos poderão resistir ao corporativismo que domina a administração e se impõe aos parlamentares despreparados que, pelo sistema proporcional de voto, aumentam a cada eleição.
Citei aqui no blog em artigo anterior que propus na constituinte de 88, uma emenda para acabar com os marajás, aprovada no Plenário da Constituinte com mais de 70% dos votos e foi rejeitada pelo relator que foi pressionado pelos seus próprios marajás assessores. A mesma pressão que hoje vemos ser exercida pelo funcionalismo público, civil e militar, para obter reajustes salarias em vésperas de eleição quando o governante é candidato a reeleição. O corporativismo tem como aliado o populismo dos parlamentares despersonalizados que também buscam permanecer no poder. Repita-se é poder pelo poder.
Passada uma eleição, o lixo da propaganda é recolhido e nisso os bilhões do fundo eleitoral sempre são aumentados para termos mais lixo na próxima eleição. Sem falar nas fakenews como lixo virtual.
Inócuo remendar a colcha de retalhos em que está transformada a atual Carta que já não tem mais consistência. Que democracia é esta que tem até orçamento secreto, decretação de sigilo secular em documentação suspeita, enquanto o art. 37 da CF determina a moralidade e publicidade dos atos administrativos. Ou mais grave ainda quando ela VEDA aos juízes “DEDICAR-SE A ATIVIDADE POLITICO-PARIDÁRIA” (ar.95,§ único, III) e dois ministros do STF declaram taxativamente em Congresso Internacional de Direito, e também aqui internamente, fora dos autos, que o inimigo a combater na próxima eleição é o atual presidente declaradamente candidato?
“A Constituição de 1988, apesar de ter garantido as liberdades públicas, carece dos predicados mínimos para ser considerada democrática. Isso porque, em primeiro lugar, o regime de representação é falso em razão do voto proporcional e não distrital. A segunda razão é que todo o poder emana dos partidos políticos, e não do povo. Trata-se da ditadura dos partidos. O terceiro motivo é a estrutura de privilégios que, por isso, não reconhece o princípio fundamental da isonomia! (Modesto Carvalhosa, pag.125 da sua última obra UMA NOVA CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL – De um país de privilégios para uma nação de oportunidades)
Para definir os nossos políticos e suas raríssimas exceções, me aproprio das palavras de Almir Pazzianoto, aqui n’Os Divergentes, quando definiu: “Sobrevivem graças a manobras de cúpula, à indulgência do Poder Judiciário, ao predomínio do coronelismo em determinadas áreas, à artificialidade das legendas, à pouca importância que o lúmpen-eleitorado atribui ao voto”.
Algumas pessoas, quando se fala em CONSTITIUINTE EXCLUSIVA, logo dizem que isso é uma utopia. Reafirmo que utopia será mantermos este estado de coisas e achar que não estamos preparando o caldo de cultura para um novo golpe de estado e apoiado pela população como em 64, mas agora pode vir tanto da esquerda como da direita.
* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988 (parlamentarista, defensor da Constituinte Exclusiva pelo voto distrital e não obrigatório através de PROPOSTA DE INICIATIVA POPULAR, art. 14, III, da CF)