Por que Eduardo Bolsonaro recuou? E por que, ao recuar, teria insistido tanto em dizer que, enquanto deputado federal, a Constituição o considera inviolável por “quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”?
Quem tiver a pachorra de consultar o texto constitucional, verificará que o artigo 53 assegura a imunidade civil e penal dos congressistas por seus pronunciamentos. Repito: civil e penal.
Se não fosse membro do Congresso Nacional, Bolsonaro poderia, como cidadão comum, ser processado e julgado penalmente com base na Lei nº 7.170, de 1983, a Lei de Segurança Nacional. Sendo parlamentar, torna-se intocável na seara criminal.
É a homenagem que rendemos aos revolucionários ingleses de 1688. Mas isso não impede, assegurando-se-lhe ampla defesa, que a Câmara dos Deputados, querendo, com amparo no art. 55, inciso II, da Constituição, decrete a perda de seu mandato por procedimento incompatível com o decoro parlamentar.
Roteiro para Bergman ou Saura
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal registra dezenas de casos em que inquéritos abertos para investigar congressistas por suas opiniões e palavras foram arquivados, em face da inviolabilidade constitucionalmente assegurada, não sem antes terem os ministros daquela Corte dito que isso não obstaria a instauração de processo eminentemente político por infringência à ética ou ao decoro parlamentar, conforme o teor das declarações contestadas. Neste ponto, Eduardo Bolsonaro está a descoberto.
Seus colegas que, prontamente, propuseram a cassação de seu mandato devem ter levado em consideração os desdobramentos da inércia da Câmara dos Deputados quando, nos idos dos anos 1990, a pregação do atual presidente da República no sentido de mandar fuzilar o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi desdenhada pelos pares de antanho do, quem diria, genitor de Eduardo Bolsonaro. Isso daria um bom roteiro para Ingmar Bergman ou Carlos Saura!
É interessante observar que Eduardo Bolsonaro recuou de sua apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), mas não se retratou da referência a uma tal consulta popular que teria ocorrido na Itália para que o governo fosse autorizado a perseguir esquerdistas de ocasião. A rigor, deveria ter explicado a que plebiscito se reportava.
Quando isso ocorreu? Mussolini não precisou de plebiscitos para desbaratar a esquerda que o combatia. Bastou-lhe uma marcha sobre Roma.
Fato é que a repressão à esquerda armada na Itália, nos idos dos anos 1970 do século passado, cujas ações culminaram no sequestro e morte de Aldo Moro, foram combatidas no âmbito do Estado democrático de direito. Vale recordar que Moro, deputado e ex-primeiro ministro italiano, foi sequestrado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas logo após o seu partido, a Democracia Cristã, ter firmado o chamado “compromisso histórico” com o Partido Comunista Italiano, de Enrico Berlinguer, em torno de uma agenda de combate ao terrorismo, de defesa das instituições democráticas e do desenvolvimento com justiça social.
Há quem sustente, aliás, que as Brigadas Vermelhas eram insufladas pela CIA para destruir o carisma do comunista Enrico Berlinguer. Seu funeral, em 1984, é considerado a maior concentração popular jamais vista em Roma. Mais de um milhão de pessoas acorreram a seu sepultamento.
É certo, em todo caso, que Matteo Salvini, o líder da Lega, amigo de fé e irmão camarada de Eduardo Bolsonaro, não reza na mesma cartilha do finado Aldo Moro: um fraco, rendido aos comunistas, devem pensar os leguistas. Tolerância e respeito aos adversários não fazem parte do vocabulário de Matteo Salvini.
Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, ainda precisa se explicar. E nós precisamos entender aonde quer chegar a família Bolsonaro com tantos ataques ao regime democrático, seguidos de súbitos recuos floreados de arrependimentos.
* Thales Chagas Machado Coelho é advogado e mestre em Direito Constitucional UFMG