Atribui-se, sem comprovação, ao economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) a frase que por décadas vem servindo para mudar conceitos arraigados, ainda mais frente às frequentes crises mundiais ou às revoluções tecnológicas: “Se a realidade muda, mudam minhas convicções”. Se vale para a macroeconomia de Keynes, vale também para a polêmica “mais estado ou mais mercado”.
Segundo a economista anglo-venezuelana e professora honorária da University College London (UCL) e da Universidade de Sussex, no Reino Unido, Carlota Perez: “Nos anos 1960 e 1970, tivemos Estado protecionista. Dos anos 1980 para cá, um Estado não interventor. De 2020 em diante, precisamos de um Estado promotor, ativo e inovador. Mas o sucesso dependerá de esforço de inovação institucional, baseado em consenso entre governo, negócios, sistema educativo, sindicatos e organizações sociais”
A ênfase de Perez é pelas revoluções tecnológicas que acabam provocando mudanças pelo barateamento de insumos. Aconteceu com o petróleo para criar a produção em massa e está acontecendo com a revolução da microeletrônica.
Porém, há outros gatilhos para serem acompanhados como provocadores de mudanças na relação estado-mercado. As crises mundiais, as mudanças políticas, as mudanças climáticas e a aceleração do combate às desigualdades de todo tipo também provocam mudanças nessa relação.
A crise de 2008/9 criou movimentos de fusões, o desastre de Fukushima chamou a atenção para a dependência de insumos fabricados por poucos, o governo Trump abalou o offshoring, a pandemia mostrou a dependência estratégica de vacinas, respiradores e logística geral, a guerra na Ucrânia ampliou a preocupação com energia e defesa, o movimento pelo clima exige mudanças nos padrões de produção e o combate às desigualdades cria novas necessidades industriais. A globalização está sendo abalada pela necessidade de segurança dos países em relação à alimentação, saúde, defesa, energia, empregos e economia em geral. As cadeias globais de produção estão tendo que se rearranjar com onshorings, nearshorings e friendshorings.
Em tudo isso há oportunidades para serem aproveitadas com visão estratégica, muita informação e muita articulação entre estado e mercado, como sugere Perez.
O Brasil fica longe de guerras e se for amigo de todo o mundo pode aproveitar as oportunidades, contando com uma indústria sofisticada, uma matriz energética limpa e muito sol, vento, terra agricultável, mercado interno e gente para trabalhar.
Se não cabe mais uma substituição de importações com protecionismo, cabe uma substituição de importações inteligente, subsidiada por informações. Uma experiência pioneira e exitosa do Fórum Capixaba de Petróleo e Gás com a Petrobras permitiu colocar no mercado vários produtos, comprados pela própria empresa em licitações normais, sem reserva de mercado ou privilégio. Fundamental o apoio com a indicação de produtos desenvolvíveis, informações, apoio técnico e testes, considerando que as pequenas e médias indústrias muitas vezes não sabem que peças e equipamentos são utilizados pelos grandes demandantes e não conseguem testar os produtos em ambientes próprios. Um bom exemplo é o projeto de encadeamento produtivo do Sebrae, que apoia as pequenas empresas para se prepararem para fornecer dentro dos critérios das grandes.
Outras oportunidades para uma reindustrialização estratégica podem acontecer com a produção de insumos e máquinas para os gigantescos agronegócio e mineração, incluindo os equipamentos para a logística necessária de ferrovias e portos, para a produção de equipamentos para energias alternativas, produtos da bioeconomia das florestas, a cadeia estratégica da saúde e a antecipação das necessidades que virão avassaladoras com a implantação dos 17 ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU que começam a se tornar mandatórios no mundo pela pressão das populações esclarecidas.
Quem se antecipa estrategicamente às demandas que virão bebe água limpa no rio da inovação.
Fica faltando a onipresença do mundo digital, fonte das empresas de maior valor de mercado no mundo, com seus equipamentos para computação, armazenamento e comunicações e que são imprescindíveis em qualquer processo de industrialização, agora batizada de 4.0, com todos os serviços agregados.
Enfim, grandes oportunidades sem protecionismo, com forte apoio de inteligência e financiamento do estado, suporte da academia, visando o mercado do mundo para produtos complexos e gerando as melhores formas de desenvolvimento.