A pauta sobre política industrial, antes demonizada pela visão liberal no mundo e pela globalização, voltou com força, surpreendentemente não nos países em desenvolvimento como costumava acontecer, mas nas principais economias. O primeiro sinal para essa motivação aconteceu no acidente nuclear de Fukushima, no Japão, quando as cadeias globais de produção perceberam que alguns insumos dependiam de poucos países fornecedores. A pandemia trouxe o segundo sinal com restrições semelhantes para vacinas e insumos de saúde. O terceiro sinal veio com a guerra na Ucrânia e os problemas com energia e fertilizantes. O quarto sinal aparece com o travamento logístico nos portos e a subida estratosférica do preço de contêineres. O quinto sinal surge do recrudescimento do conflito latente entre China e Estados Unidos, com o risco de problema em Taiwan, grande fornecedor mundial de semicondutores, item fundamental em todas as cadeias com conexão com o mundo digital. Nos dias de hoje quase todas, incluindo automóveis, aviões, navios, equipamentos industriais e defesa.
Mais de 100 países, somando mais de 90% do PIB mundial, têm políticas industriais formais. 81% dos gestores de cadeias de suprimentos, em pesquisa da McKinsey, neste ano, afirmam que demandam suprimentos de dois fornecedores em vez de depender de um único, em comparação com 55% em 2020.
A produção globalizada vai se transformar em produção mais regionalizada com os neologismos do onshore, nearshore e friendshore, ou seja, dentro de casa, na região ou nos países amigos, e com um retorno à verticalização em muitas empresas.
As iniciativas recentes nos EUA de vantagens para a produção doméstica de bens estratégicos como semicondutores, veículos elétricos, baterias e produtos farmacêuticos demonstram essa tendência.
A maior parte das discussões sobre política industrial, porém, aborda obviamente a indústria, deixando de lado os serviços sofisticados que também empregam pessoal de alto nível técnico, muitos altamente globalizados, e com um peso crescente na economia. Marcas como Amazon, Netflix, Facebook, Tik Tok, Spotify, Starbucks, VIVO, Claro, ou Google, como muitas outras marcas conhecidas, por vezes franqueadas, que ocupam nosso tempo e recursos, apenas como usuários.
Sem avançar na produção nacional de serviços com complexidade tecnológica, nos transformamos na economia das padarias, dos cabeleireiros, das manicures e dos lojistas de shopping: serviços respeitáveis, porém não escaláveis, sem produtividade, sem desenvolvimento tecnológico.
A política industrial que nos interessa deverá abranger também os serviços sofisticados que estão em todos os lados: na infraestrutura de comunicação, mobilidade, saneamento, energia ou logística; na educação, saúde e segurança; nos serviços financeiros, ambientais, culturais e esportivos; nos serviços tecnológicos de P&D, propriedade intelectual e design. Todos eles hoje entranhados com a tecnologia digital, muitos demandantes de produtos industriais sofisticados e exigindo formação mais ampla nos seus empregados, executivos e empreendedores.
Com enorme cuidado para evitar protecionismos, capitalismo de laços e campeões nacionais, se o mundo foi nessa direção, vamos nós também, para não perder o bonde da história. Bonde não, isso é muito antigo, o trem bala da história, talvez.
– Evandro Milet – Consultor em inovação e estratégia e líder do comitê de inovação do Ibef/ES