Começa a guerra civil do Partido da Justiça. O caldeirão vai ferver do outro lado da Praça dos Três Poderes: Judiciário em crise interna, Executivo às turras com o Supremo e o Legislativo ameaçando as corporações com segregação política.
O caldo ameaça entornar no braço armado do Judiciário, desde quinta-feira em guerra aberta entre o Procurador Geral da República, Augusto Aras, e a base da corporação, os guerreiros de campo, aqui representados pelos promotores, a tropa de choque da Operação Lava Jato, respingando para todos os lados. Também o Executivo bateu de frente com as medidas cautelares do ministro Alexandre Moraes, suspendendo das redes sociais uma penca de apoiadores digitais do presidente da República, Urbi et Orbi, o que já está causando espanto no mundo inteiro, como medida desproporcional e, mesmo, abusiva. No Legislativo, deputados já estão tratando de acatar a sugestão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de uma lei para cortar as asas dos funcionários togados, impondo uma quarentena eleitoral de oito anos (ou menos) para ministros, juízes, promotores, procuradores, delegados e policiais em geral. Será um rapa na bancada da bala.
Em contraditório, como dizem os advogados, os procuradores e promotores (seus equivalentes estaduais) acusam Aras de estar botando os podres no ventilador para se cacifar, junto ao presidente da Republica, para a indicação à vaga do ministro Celso de Melo no Supremo Tribunal Federal. Atacado pela corporação, Aras ganha força junto aos parlamentares por baixar a crista dos galinhos e moças da Lava Jato, que estão a invadir gabinetes e revirar gavetas na própria sede do Pode Legislativo.
O PGR apanha da corporação judicial, leva cacetadas nas mídias, mas ganha votos na sabatina do Senado Federal. Com isto, o presidente Jair Bolsonaro conseguirá plantar no STF um homem de confiança que, pelo menos, não irá jogar para a torcida. Em vez de um terrivelmente evangélico, um homem fortemente leal.
O embate de maior impacto político e administrativo vem da metralhadora giratória do procurador-geral. O primeiro alvo seria o ex-ministro Sergio Moro, adversário declarado do presidente Jair Bolsonaro no espaço eleitoral. Com sua imagem de justiceiro, o juiz de Curitiba é uma pedra no sapato do projeto de reeleição do presidente e uma ameaça concreta às demais candidaturas que estão se colocando, tanto à esquerda quanto à direita.
Ao atacar a Operação Lava Jato, o PGR despertou o ex-juiz de Curitiba de sua hibernação, trazendo de volta a imagem do justiceiro e reavivando o chamado ”Partido da Toga”. Este estava submerso ultimamente, obscurecido por outras dessas novas entidades que povoam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, tais como a Ala Militar, Ala Ideológica, Centrão, Blocão e outras que vão surgindo a cada momento.
Essa luta fratricida no sistema judiciário reacendeu no Parlamento as expectativas de que o enfraquecimento da Lava Jato poderá desanimar o Ministério Público e os procuradores a largarem do pé de políticos envolvidos nas controvertidas contribuições de empresas para suas campanhas e partidos. Uma esperança seria de que esses entreveros na cúpula do sistema possam robustecer as arguições de suspeição do então juiz Sergio Moro, anulando suas sentenças, inclusive a do ex-presidente Lula.
Com Moro, voltam à tona as bandeiras da segurança pública e do combate à corrupção, que estavam em segundo plano, atrás das questões das fake news, dos negócios da família do presidente e das queimadas e desmatamentos da Amazônia. Entretanto, não é real que seja possível botar para debaixo do tapete o resultado da Lava Jato até nossos dias: 319 ações criminais, 90 ações cíveis, 330 acordos de delação premiada, 26 acordos de leniência e, o mais importante, porque incontestável, devolução aos cofres públicos de 30 bilhões de reais roubados. É muito dinheiro.
Não há como manter a negação da roubalheira. Seja o que for, as abóboras se acomodam ao andar da carruagem. Aras tocou fogo na toga.